quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Uraeus

Marcas nas tábuas,
o beduíno e a íbis,
o disco e o cetro.

No berço das águas o menino que cala,
ao seu redor os crododilos, seus servos.
Na boca o segredo, ele é - ele será.

O rosto é ocultado pelo véu,
e aquele que manifesta-se no vento que move,
nas profundezas o cão que tudo destrói habita.

No chão é o marido, no céu é a esposa.
O Ka, o Ré, o Ba, que circundam e pertencem
São da Regra, que deifica e condena.

Dançam e cantam àqueles,
homens deuses,
deuses homens.

mortais imortais,
imortais mortais,
feitos um.

Então as máscaras são retiradas,
os odores cessam,
o silêncio domina,

e o Nilo corre

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O Oráculo de Éfira

I - O templo entre Aqueronte e Cocito

Quem nunca observou avidamente um acidente? Quem nunca praguejou com genuína fúria? Quem nunca riu de uma dolorosa trapalhada alheia?

Em todas essas ocasiões manifestamos partes de nossa alma que normalmente segredamos. Em uma visão mais atual, todas essas ações superficialmente indesejadas estão ligadas ao ego inferior ou a Sombra (como Jung definiria). A Sombra é a oculta animalidade, é o conjunto de nossas mais desequilibradas emoções, ela é o campo metafísico dos sentimentos rejeitados pela rotina da consciência. Por que existe a Sombra? Ironicamente para nossa proteção. Ela é o alerta contra os infortúnios (Aqueronte), o depósito de nossas lamentações (Cocito), a jaula de nossa raiva (Flegetonte), o lar dos tormentos (Erídano) e o oculto da alma (Lete).

Alguém atento questiona: "Por que SUPERCIALMENTE indesejadas?"

Porque, na verdade, como qualquer outra coisa, a Sombra busca sua perpétua subsistência (sua inércia). Ela reclama por ação quando permanecemos muito tempo em estado de calmaria, incita quando estamos furiosos, ela determina quando devemos fugir ou "perder o jogo de cintura"; Muito além, como um cão selvagem, ela consome o seu dono quando não é alimentada ou domada.

Como domá-la? Você já sabe. Quando ridicularizamos alguém, quando batemos com fúria na mesa do escritório, quando berramos um palavrão, e - mais louvável - quando admiramos um arrepiante trabalho artístico de terror.



II - Sacerdotes de Perséfone


Por que alguém dedicaria a sua veia artística para um trabalho tão penoso quanto a arte das sombras?

Principalmente pelos infortúnios da vida, pela predileção por assuntos mórbidos, ou em uma linguagem mais poética pela atração por coisas obscuras. Geralmente todos esses movimentos estão conectados e, não raro, a escolha pelo terror é pouco consciente e muito instintiva. A facilidade e o fascínio de alguns está ligado a envergadura de sua Sombra.

Escrever Terror é penoso, como já dito, por uma série de fatores: O reconhecimento é praticamente nulo (embora crescente em nosso período decadente), o trabalho artístico é seguramente o mais difícil, o público realmente dedicado é pequeno e a própria criação exige bastante disposição mental. Para escrever Terror é preciso dispor de uma perseverança tão grande quanto a imortalidade dos vampiros.

O melhor para o escritor é deixar os seus textos sombrios como "alternativos". Trabalhar temas mais gerais e levar em conta as tendências de momentos. É uma das muitos verdades ridículas do mundo.



III - Os corredores sombrios

Nem só de sustos vive a obra de um escritor sombrio. O que é sombrio em uma época pode não ser em alguma outra, a única coisa que une todos os homens é que, invariavelmente, suas sombras estão bem atrás deles. Em todas as épocas existe algum assunto severo e, para o autor sombrio, o assunto severo é o seu deleite. Um dos pontos negativos do terror é também um dos seus pontos positivos: São poucos os concorrentes.

Em algumas épocas são os monstros as criaturas terríveis, em outras os deuses negros e também em outras a própria maldade humana. Em todos essas casos algo está presente: A Sombra.


Em cada caso é afetada de uma forma, embora o eixo seja sempre o mesmo (os rios do Hades).