quarta-feira, 28 de abril de 2010

Carta amiga

ao seu eu-poeta (sofrido): é no sofrimento e na tragédia que encontramos o que realmente vale a pena em nós e que nos faz valorizar ainda mais o que somos.
o seu eu-cotidiano: neste tb encontramos o amor, amor eterno, que ficará nas lembranças que estimulam nossos sentidos, que independente da ida ou vinda ficará para sempre (meio Shakespeare, afff, mas até certo ponto vale a pena). é neste tb que encontramos o amor que vale a pena. eu o amo pq vc me faz rir, refletir, ler, conhecer, experimentar coisas outras. vale a pena dizer 'eu te amo' para alguém que há quilômetros de distância consegue tanto de mim. amar ingenuamente, como Alberto Caeiro é que vale a pena. o seu eu-poeta conseguirá o intimismo misturado com a lucidez de Alvaro de Campos. vale a pena, mas há poesia no seu eu-cotidiano, também.
amá-lo para mim não é um problema,

Bernadette.

domingo, 18 de abril de 2010

A parábola do Abismo

Beatrice lamentava, e em sua dor chorava "Foi Dante do Inferno ao Céu, ainda estou no Purgatório!". Mas Virgílio, o poeta, escutando-a, protestou: - Não compreendes, amiga de meu amigo, que a estrela é um incêncio na escuridão, desafiando-a? É preciso o furor do herói! "Precisamos fugir dos demônios!", respondeu então, mas ele calou, e em sua mente pensou: Quando compreender que nosso Purgatório é nosso silencioso desespero, é quando será livre enfim".

sábado, 17 de abril de 2010

Meu amigo Santanna

Trocávamos dilemas e vantagens nos bares daqueles tempos futuristas cheios de profecias. Eu, com meus cabelos crespos e rebeldes, prescrutando-o com meus olhos negros e arrogantes, degustando chocolate e smirnoff. Eu e meu gosto pela vodka! Eu e meu amigo Santanna!

Enquanto os socialistas amutinavam uns com os outros, como os ratos e vermes que são, e os sensualistas viviam naquele lugar, santo lugar, suas promiscuidades temporais, eu e meu amigo Santanna mergulhávamos em inquietantes debates sobre a vida, o Universo e seu Duplo. Quando me libertava de todas aquelas vaidades sexuais, e encontrava um tempo para a razão, era com Santanna o meu parecer.

Por vezes, todas aquelas formas femininas me desgastavam. Sentia-me cansado, por assim dizer, dessa ansiedade do êxtase sexual, muito mais do constrangimento e estupidez de dois corpos saciados, colados. Das alturas e dos mistérios, jamais.

Eu era então Dom Ramon. O deísta, então o estóico puro, integral. O Sidius, meu ego negro, naquela época, apenas uma neblina periódica.

... Mas Santanna... Sempre disposto, pronto para o debate, meu amigo e confidente, meu leal irmão. Com Santanna eu extrapolava minhas inquietações. Santanna era o irônico, e jocoso, aquele que aborrecia os estúpidos, aquele que só observava a vantagem, o mérito ou a comédia. E não precisava de muito, bastava pensar nele, bastava lembrar dele, e ele aparecia. Santanna, meu amigo Santanna.

Então, um belo dia, ele desapareceu. Com a minha queda, Santanna também se foi. Eu não o encontrava, mas sabia, mesmo sem comunicação: Era o adeus, a despedida. A ironia já não bastava, o fracasso, a queda, a vergonha, a incapacidade de realizar aqueles projetos, todos esses fatores cresceram... Eu via Sidius, e ele ria... Santanna... Meu amigo Santanna...

... E, pela manhã, com a cabeça inchada, compreendi: Santanna está morto, você o matou. Estourou-lhe os tímpanos com seus romantismos, secou tudo que ele era, diminui toda a sua essencial, por prazer, fuga, medo, e ele morreu.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

" (...) Eu o chamo de O Menino,
Mandando-o sentar-se de joelhos para escrever e selar esta,
E envia-lo-ei a milhares de milhas, a pensar".


Carta Exilar, Ezra Pound (trad. adp. livres minhas).


Abandonemo-nos de seus fanatismos ideológicos. Deixemos de lado sua loucura, seus extremismos, seus apetites de ígnea razão. Pound, crescentemente, é autor que mais chama minha atenção dos de lingua inglesa, no século XX.

De uma ousadia estranhamente dogmática, a poesia de Pound revela um frenesi e uma angústia muito característicos do século XX. Mais do que isso, nele já observamos uma espécie de selvageria, uma segunda maneira de lidar com a angústia vintista, varguardista para seu tempo (desejo seu, de fato).

Pound, platonicamente falando, com todo seu espírito aristocrata, com o redemoinho (Vortismo) de suas emoções e com o artífice de imagens fortes e um linguajar imperioso (imagismo), faz de si algo como os alquimistas medievos. Utiliza-se da poética de um modo obsessivo, com intuitos claros de romper barreiras, trapacear, não com a natureza, mas com o próprio homem. Um poeta violento.



" Vai, livro natimudo,
E diz a ela
Que um dia me cantou essa canção de Lawes:
Houvesse em nós
Mais canção, menos temas,
Então se acabariam minhas penas,
Meus defeitos sanados em poemas
Para fazê-la eterna em minha voz. (...)"


(trad. adp. Augusto de Campos)

terça-feira, 13 de abril de 2010

Van Gogh

Hoje estou um tanto perturbado. Sinto uma dor estranha, suave, no abdômen. Uma pressão no coração, como se diz...

Estou cansado. Fatigado. Meus músculos amolecidos vacilam meus ombros, minha visão é turva, resisto ao toque do ar com rispidez. Existe qualquer coisa aí de infame... Imundo. Eu estou sujo. Estou literalmente sujo... E por dentro também.

Acho que estou ficando doente.

A pressão no coração só faz aumentar. Assusta, realmente. De repente a palavra ‘morte’ aparece e reaparece, na minha mente. Vou cair e morrer. Vou morrer mesmo, sinto. Sinto, assim, como se o mundo estivesse se fechando ao meu redor, como se o mundo fosse a tumba, fechando, e então eu bato e bato. Ela não abre e eu morro sufocado lá dentro. Fico berrando, o ar acaba, me bato todo na madeira debilmente e inutilmente. O frio. O frio cresce e então eu sei; morto; consciente o bastante para perceber o frio do meu corpo, consciente o bastante para experimentar gradativamente o apodrecimento da minha carne, o desfazer de minhas entranhas e a minha pele murcha...

E essas imagens me aliviam. Minha melancolia vem mudando nos últimos tempos. Hoje, gosto de falar de sofrimento, principalmente meu. Eu quase gosto mesmo de sofrer, de sentir decepção, vergonha. Vejo todos os meus projetos arruinados e quase acho graça. Acentua o meu sentido de ironia; rir de si mesmo... Mas é falso e eu bem sei, assim como sei que não quero... Não existe diferença em estar no centro das luzes, ou na penumbra... Aquela criatura sempre está aqui, aqui dentro, ele irá me destruir, e ela me destrói.

Farei novamente. Bem sei. A distância é cada vez maior, cada vez mais distante. Hoje, amanhã, depois... O melodrama dos bons cidadãos não me importa, dos meus amigos, saiu sem dívidas, dos meus inimigos, uma vitória sofrida e um derrotado de valor. Só lamento, de fato, por aquelas pequenas crianças do fundo da sala, os esquisitinhos. Gostaria de abraçar todos os esquisitinhos. Aqui vai um coração morto, malogro, cheio de caricatura e pantomima.



“La tristesse durera toujours”

Vincent Van Gogh

domingo, 11 de abril de 2010

Revelações do tempo distante

"Solidão não é a falta de gente para conversar, namorar, passear ou fazer sexo... Isto é carência! Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar... Isto é saudade! Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe, às vezes para realinhar os pensamentos... Isto é equilíbrio! Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente... Isto é um princípio da natureza! Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado... Isto e circunstância! Solidão é muito mais do que isto... SOLIDÃO é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma". Chico Buarque.

Recebi hoje, daquela menina de quem falei. Ela é assim outra sofredora que já aturou muitos dos meus "momentos de devastação". Espero que esteja bem, lá onde estiver, com quem estiver. É isso, não é? Desejamos o abrigo dos amigos, a conversa animada nos bares, um alguém para amar, alcançar nossos objetivos, estar bem, ser respeitado (a). Desfrutar de um prazer, ser aquilo que se deseja, estar com quem gostamos... Lá fora está o vazio e o silêncio, fazemos música!

Olho para trás, vejo um mundo remoto, distante. Você dizia sentir falta de nossa turma... Eu tenho algumas recordações daquele tempo, também. Lembro das quintas pela manhã e meu gosto pela sua aula, sentia "ansiedade pela lucidez". Mesmo que por vezes, como hoje, eu me sentisse meio ridículo e indeciso quanto a sua opinião sobre mim; me sentia muitas vezes apenas como o "aluno-problema". Eu bem sei que construí uma fama negativa (meu agouro); seria justificável. Também lembro da minha sensação de entrar na faculdade - qualquer uma - Uma sensação de adentrar um espaço de evolução e conhecimento (sendo-o ou não). Como aquele quadro de Rafael.

Um dos melhores momentos da minha vida foi naquele lugar (solitário e intrínseco, naturalmente). Lembro-me:

Era uma feira cultural e naquele dia, uma quarta-feira, teríamos uma palestra sobre CinemaXHistória. O professor era eloquente, o auditório colaborou. Falava e mostrava filmes. No fim, para fechar a noite exibiu as cenas finais de Cinema Paradiso. Uma longa sequencia de beijos de cinema... Mágico! Filmes de todas as épocas, atores dos mais variados, emoção e ímpeto...

Durante muitos minutos, muito além do fim da palestra, me senti um deus. Sobrehumano.

sábado, 10 de abril de 2010

O desbravador do campo de centeio

O maior mérito de O apanhador no campo de centeio talvez seja o fato do texto tratar, de um modo jovial e pouco clássico, de questões complexas da juventude: A indefinição do papel social do jovem, a sexualidade, a amizade, a relação com os pais, com a religião, com a escola.

Contava então com 32 anos, Jerome David Salinger, quando publicou The Catcher in the Rye (na tradução brasileira, o nome exato). Filho de Manhattan, escritor experiente de periódicos, afeiçoado a contos e novelas, já com certo prestígio nos núcleos literários. Mitificado logo então pela notoriedade imediata alcançada com a publicação da obra, seu único romance. Sucesso de público e crítica, aclamado por gerações de jovens que o leram e ainda leem no decorrer das décadas consecutivas. Texto que foi descrito como polêmico, ou enigmático, assim como seu autor, mas que de nenhuma maneira demonstrou algum entusiasmo com o sucesso, e seria até possível afirmar, como algo que buscou evitar toda a vida. Até sua morte, em 27 de Janeiro de 2010, tendo se afastado lentamente das publicações após o sucesso do seu livro, para findar a vida em escolhido e desejado anonimato.

J.D. Salinger, embora fosse ele próprio um homem obscuro e retraído, parte orgânica daquela angústia poética muito característica da primeira metade do século XX (Traço fundamental do modernismo, dos traços que podem ser visto com muita propriedade na poesia de Rilke; angústia, intranquilidade interior manifesta, reflexo de um tempo de guerras e ruína), já em O apanhador revela um espírito vanguardista independente; uma outra maneira de lidar com a guerra e a ruína, tão característica da segunda metade do século XX (geração beat, rock in roll, metal, contra-cultura; agressividade manifesta, meio que selvática, desregrada e escapista).

Na primeira metade do século XX a guerra é física e o repúdio é interiorizado. Os horrores da Primeira e da Segunda Guerra mundial, a Grande Depressão, as questões nacionalistas, os embates de afirmações ideológicas na Europa e em todo o resto do mundo, por seu reflexo. Com a Guerra Fria, o cenário muda e a expressão estética o acompanha, a tortura é interiorizada, e a reação exteriorizada. Teorias de conspirações, educação orientadora e formalista, a luta de ideologias gigantes e opostas, e gerações cansadas de toda a guerra e toda a ruína, e todo o sofrer contido e calado. Caulfield representa a mudança, de um modo tangível.

Holden Caulfield já não é apenas um homem angustiado formalmente inquiridor, tão pouco um jovem romântico, ele é um anti-herói. Sarcástico, cínico, dono de um sentido crítico aberto e agressivo ao seu modo. Tem algo de debochado, de depravado, de subversivo, de despreocupado, de anárquico e autocrata - Elementos suficientes para alisar a vaidade de adolescentes e pessoas mais excêntricas. Ele encanta pelas suas imperfeições, exageros e digressões vãs. Exala um "desejo de incorreção", Muito daquilo que estava naqueles pré-adolescentes e adolescentes que viveram a sombra do Macartismo. O Colégio Pensey, do qual Caulfield foi expulso, entenda, é um pouco da própria América de Salinger, ou do próprio mundo.

Existe também uma certa mensagem messiânica no teor da obra, algo como um infatilismo mesclado a um desejo de liberdade. Caulfield deseja "salvar as crianças":

"Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa q eu queria fazer. Sei que é maluquice".

Holden Caulfield, de Salinger, é uma crítica ao formalismo da formação educacional e infantil de sua época. O autor, ali, nega o autoritarismo por um estado livre. Nega o ditador, e afirma o apanhador, nega a realidade crua, massificante, de concreto e velhacaria, de adultos, preferindo as brisas de um campo de centeio, de sonhadores e crianças.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Giacomo Leopardi - Curto ensaio crítico

La Natura, purissima, tal qual è, tal quale la vedevano gli antichi: quell'albero, quell'uccello, qual canto, quell'edifizio, quella selva, quel monte, tutto da sé

Eu sou do tipo que deseja sentir em uma poesia todo aquele poder primitivo e subconsciente de uma linguagem iniciática, em princípio consciente, tornando-se inconsciente, orientadora de pensamentos e emoções profundas. Aquela linguagem especial de oferenda aos deuses, do rito sagrado, o sibilar rítmico: A magia, filha da Arte.

Não que seja do meu interesse utilizar dessa comunicação mística, outrossim, falo aos homens como um também. Dos poetas, apenas aqueles que falaram ao homem enquanto homens estão entre os meus interesses: Mestre Ovídio, Mestre Schiller, Mestre Nietzsche, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Neruda, Pound, Dante Milano... De hoje ou de ontem. Estou mais próximo dos mortos do que dos vivos, mas posso senti-los ainda hoje, em suas análises que, veja, são retratos de fatos, sentimentos, seres. O poeta está entre a naturalidade inumana da música e a construção totalmente humana da palavra; ele é abraxas.

Dentre todos, Giacomo Leopardi resplandece alvo. De uma estrutura clássica, de um lirismo forte, de uma tradição arraigada, de um nacionalismo fanático, uma paixão etrusca, romana, fascista até, acorrentada ao Romantismo à Weimar, ao desejo profundo do saber, do tocar, de um pensar pessimista extremado até; de cinzas e cascalhos as palavras ítalas do poeta arrebatam o espírito e a alma. Cada verso, cada imagem, cada representação: Ele arrebata, ameaça, investe com fúria, com paixão, mas também com bondade, mas bondade leviana. Estando no precurso do ultra-romantismo, revestido de bagagem intelectual, alcança uma imensidão própria, particular. Está entre Kant e Schopenhauer.

Ele diz: Você é insatisfeito, o mundo é indiferente, incomensurável, caminhará em frente e o abismo surgirá. É preciso saltar o abismo e não sentir a queda; cair, descer ou voar

.

E come il vento odo stormir tra queste piante, io quello infinito silenzio a questa voce. Vo comparando: E mi sovvien l'eterno, e le morte stagioni, e la presente e viva, e 'l suon di lei... Così tra questa Immensità s'annega il pensier mio:


E 'l naufragar m'è dolce in questo mare.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Montanhas

Toda a vida gostei de arte. Arte. Toda a vida tive esse negócio na mais alta conta, nunca cansei, nunca desisti. Já cansei de tuda na vida, até da vida, mas da arte não.

Exemplificando, quando criança meu sonho era ser desenhista. Desenhar, desenhar era aquilo que eu mais gostava de fazer, e, para sincero constrangimento, desenhava mal. Na fisionomia, era o oposto do talento, tudo era admiravelmente inumano. Apelar ao geometrismo então era pouco, de qualquer modo, mesmo na base dos palitos, tudo continuava insatisfatório. Grande demais, pequeno de menos. Fui nessa batida, desenhando de terceira, até a adolescência e minha aventura na música: Um fracasso ditirâmbico.

Se no traço puro era um coitado, na imitação era um coitado menor. Olhar para uma imagem e representá-la, taí uma coisa que prendia minha atenção (difícil). Na sala ninguém copiava tão bem uma bananeira quanto eu; se tinha uma bananeira pra desenhar em qualquer coisa, a minha era a menos ruim. Lembro-me com clareza, certa feita na aula de educação artística copiei um jardim magnificamente. A cerca, o gramado, o telhado, os detalhes da casa em um estilo, sei lá, rococó, tudo muito chamoso. Guardei o desenho, perdi tempos depois... E pensando assim resolvi algum tempo atrás retomar a arte de desenhar. Voltar ao primeiro amor.

Meus desenhos estão melhores hoje. Pelo menos, em um aspecto: Grandes Horizontes. Ravinas, montes, céus, desertos, grandes jardins, locais abertos. Já gostava antes, mas agora a coisa passa melhor, até de traço puro mesmo. Copiando então... Dia desses copiei uma imagem dessas de marca de cigarro: Divino! Meu melhor desenho, acho.

E de tudo isso, o meu traçar favorito é a montanha. Realmente, não tem nada na natureza que me chame tanta atenção quanto uma honorável montanha - Tudo bem, eu poderia citar a beleza das nebulosas, mas nem fudendo eu seria capaz de desenhar uma nebulosa. Uma montanha exala um ar de autoridade, de poder... De Imortalidade. Ninguém jamais viu uma montanha surgir ou desaparecer, elas simplesmente estão lá. Representar esse poder no desenho, taí também uma coisa que eu gosto, e não apenas no desenho, mas na palavra.

Não sei dizer se gostaria mais de desenhar uma imagem perfeita de Outono, algo como um conjunto de árvores, cálidas, em um tempo ameno, ou se gostaria mais de representar uma montanha, mas transpassando o poder honorável e imortal da montanha. Um Fuji em todo o seu esplendor, por exemplo, ou mesmo nosso interessantíssimo 'Dedo de Deus'.

Vou pensando assim, enquanto desenho minhas bananeiras perfeitas.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Conan

Definitivamente, quando penso nos meus personagens favoritos da literatura, entre muitos outros, alguns periódicos e outros de longa data, pelo menos um nome sempre aparece muito vivo: Conan, o cimério.

Por exemplo, estou lendo agora O apanhador no campo de centeio, adorando Holden Caulfield. Caulfield é um personagem que permanecerá na minha mente durante algum tempo, pensarei nele, escreverei qualquer coisa pensando nele, comentarei sobre ele, e um belo dia, ele desaparece. Reaparecerá quando encontrar, por acaso, o nome dele na Internet, ou quando estiver bisbilhotando os clássicos de uma livraria ou biblioteca; atitudes semelhantes, nada mais. Ele é, se de muito especial, feito em nada. Não é difícil ver esse fato o tempo todo: aquela garota quente que já foi o seu delírio, ainda lembra o nome dela? Duvido. É o fulgor repentino da volúpia, a paixão, intensa, tão breve!

De modo diferente acontece com o bárbaro. Conan é um sujeito que me impressiona. No duro mesmo. Desde a infância, na adolescência, na maturidade... Conan é o tipo de cara para quem eu acenaria na rua, com a cabeça, cumprimentando cordialmente e com sinceridade e entusiasmo (eu não faço isso, nunca, com ninguém). Meu respeito não é uma afetação afeminada, eu não estou preocupado com os peitos nus e morenados do homem das selvas frias do Cáucaso, é coisa diferente. Conan expressa em muitos aspectos uma atitude resoluta de uma nobreza, embora vulgar, e de um orgulho, embora selvático, com uma magnitude... Coisas que a Revolução Francesa e o Romantismo fizeram morrer (morreram em tempo, claro). Aquilo que os antigos entendiam por virtude viril; elemento fundamental para a concepção clássica e primitiva de nobreza. A identidade do indivíduo diferenciado, superior. Algo que a concepção de “direitos humanos” abomina. Também, não poderia ser diferente; Arte é Reflexo; os dedos que pintaram Conan eram texanos, depressivos, furiosos e céticos, misantropos; Conan era a violência escondida de Robert Ervin Howard. Pintura bárbara de um espírito bárbaro, eu também sou bárbaro.

Lord Henry Wotton, que me impressionou como um tolo Basil na minha adolescência, Quincas Borba com meus antigos sonhos acadêmicos, o pequeno Sérgio, o valente Xisto e o Rei Arthur na infância, o saudoso Musashi... Todos passam, surgem e reaparecem, mas o antigo rei da Aquilônia, pirata, soldado, corsário, bandido, justiceiro, sim, ele permanece.

sábado, 3 de abril de 2010

O suicídio

Acredito que o prosador, o poeta, o misticista da palavra, enfim, acredito que o escritor só alcança real maturidade quando é capaz de destruir seus próprios textos.

O desapego de si mesmo, a desnecessidade de público, a segurança completa em si mesmo e o ato de sacrificar a si mesmo, ao mundo. Existe algo de sublime, supranatural, antinatural, tragíco, louco e sábio aí:. Imaginemos então aqueles poetas orientais de Bukowski queimando seus poeminhas espirituais, imaginemos Gogol, louco(?), queimando seus últimos trabalhos, imaginemos Salinger escrevendo para si mesmo por mais de três décadas, imaginemos Kafka desejando a destruição de suas obras...


* O suicídio é a positivação máxima da vontade humana

- Arthur Schopenhauer.


... Desapego; que não tem relação com um resumo, ou com aquela versão ruim que será melhorada, ou com os supostos artistas mecânicos que só conhecem o frio da métrica (alguns muito famosos e aclamados, aliás), ou coisa que valha igual, mas desapego de uma parte de si, o desapego de uma emanação de nossa vontade, de parte do ego, da própria condição de ser. Tudo isso, muito longe do artista comum, verdadeiro, mas imaturo.

Da minha parte - E falo sem qualquer remorso ou comiseração - Nas minhas duas tentativas de suicídio enviei, muito metodicamente e com completa serenidade (não pensem que o suicida está desvairado, ele não está), todos os meus melhores textos para amigos próximos. O desejo de morte não superou a ideia de deixar todos os meus escritos largados. A ideia de morrer, inexistir, sim, mas pelo menos garantir a possibilidade de um suposto "valor" depois de morto, tal como o homem comum que conserva na gaveta aqueles poemas da adolescência, ou aquele violão velho, ou aquele garoto que rabisca o caderno, cheio de gravuras, para entregá-lo ao colégio no fim do ano com uma "marca pessoal".

A vaidade humana supera a morte, já dizia Aires.



Tudo isso não é assunto para um bar.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Imagens

Meu papel de parede representa um quadro japonês chamado “Casa de chá em Koishikawa depois de uma nevasca”, de 1832, de um nipônico honorável, Katsushika Hokusai. Uma imagem simples:

“Próximo, está a casa de chá, e nela as gueixas um tanto alvoroçadas observam aves bem ao longe, no ângulo esquerdo superior da tela. Acompanhando a imagem, observamos que a casa de chá fica situada em uma posição superior em um pequeno (aos nossos olhos é pequeno) conjunto de casas formando um vilarejo (Koishikawa, enfim) de construções padrões, espalhadas entre árvores e próximas a um lago. Logo além do lago um monte garboso – É impressionante a fascinação japonesa por esses retratos de montanhas – e, acima do monte, seguindo em seu horizonte, as aves que fascinam as gueixas. Faz frio, tudo está coberto de neve”.

A coisa é toda simples e sucinta, despretensiosa eu diria. Não existe aí nenhum ensinamento supremo de Buda ou um segredo profundo do taoísmo ou confucionismo, nem uma bandeira nacional... É, de um modo exato, aquela atitude asiática (boa ou ruim) de estagnação contemplativa. Tudo falando por si, e em mímica.

... Posso ver essa casa de chá horas soltas...

Porém, nas horas soltas, não posso deixar de pensar em Van Gogh – Outro miserável – tão admirado da arte oriental. Também Schopenhauer... nem preciso explicar. Enfim, é curioso como nós, espíritos obscuros e profundamente melancólicos, desgraçados da vida, conseguimos gostar tanto de coisa que, também não negamos, é banal demais para o nosso ígneo Ocidentalismo. Heráclito riria disso tudo...

... Mas... Deixemos de lado a prolixidade e os mortos dentro dos caixões. O fato simples é: A pintura é excelente. Motivo? Ela é. Não se explica a Metafísica do Belo... Com toda sua simplicidade, funciona, com todo seu despropósito, toca a alma... Não posso deixar de amar a casa de chá de Koishikawa.

Talvez exista, sim, supremo ensinamento de Buda em tudo isso.