domingo, 26 de setembro de 2010

Descrição Panorâmica

Lábio largo e provocador. Dos mesmos frios olhares de castanha neblina, de abrasar e acolher, a um rigor suave. Pedinte. Jeito negligente, melancólico, fortuito e vaidoso. Sisudo. Percorre a vista um leito em membros pequenos e conjuntos, harmoniosos, alvos - ásperos. Pequenos, macios; latentes, gostosos.

Na alvorada tardia distante. Quase ausente, mesmo ausente.

Um pintor em admirar um campo ao entardecer. Face in natura. Recorte natural. Retrato de mulher.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Deus de Deus

Pensava em meu momento de solitude a natureza de Cristo: Verbo consubstancial com o Pai, vero Deus de vero Deus, luz da luz; duas naturezas e duas vontades resultantes da hipóstase. E que nos procedeu à vivificante pneuma, Espírito Santo, orgão divino do Logos. Relembrado e revivido na comemoração da eucaristia, corpo e alma nutridos de seu sangue adorado e comido em forma do pão; presente aos olhos, sensível ao paladar, todavia anulado.

Redentor carpinteiro, anti-hercúleo, abaixo e acima do mundo, obra mestra de Aleijadinho.

Os sinos purificam o templo dos murmúrios. Olhos, lábios, contritos fiéis em conjuro. Um Pater do santo homem, a graça eficaz contemplando a irmandade. Eu. Sozinho, no banco a meditar.

Meu frio olhar aos homens; igual ao Altíssimo seus anjos e santos.

Sonho platônico levado aos povos, não pelos reis, mas, terapeutas, estóicos tardios, o traidor dos fariseus, e um profundo desejo de morte de um império. O amor pela dor pela morte do Deus...

... Litúrgica e gregária e comtemplada paz:

Mas roubo assim minha calma por um inquietar: "Sagrado és". O homem consagrado consagra e o consagrado é feito santo. O espinho e a fraqueza da carne. Toma pelos cabelos, pelos pequenos e inocentes lábios, olhar novo e puro, torna sagrado. Utiliza, rasga, afronta, viola. Mata. Reza adora e dorme.

Por cima do altar o olhar do Cristo, por ele, pela assembléia, nós. A estátua olha e não vê.

Amém.

"Va bene, va bene, arrivo. Aspettate un momento".
(Papa Alexander VI)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O Basilisco


Escrevo, pois vou mal com os olhos. Furaram-lhes; minhas maléficas retinas!
Escrevo pelo sangue retido em uma escama retirada. Indolor.

Nada tão risível quanto um temperamento abrandado. Maleável, dobrável, ao bel prazer e divertimento do escrupuloso e inescrupuloso. Da mais fina moral e dos mais moderados manejos gestuais, sincero o bastante para ruborizar em contradição e avesso a afetação de nossos aclamados bonachões, são dos tipos os mais degustáveis. Refiro-me a todos esses tipos médios como objeto de uso. Convenhamos, o predador é mais sapiência da mesma do que a própria pressa

Entre essas ruínas de um sonho de Império irrealizado, em alaridos confetes murmúrios, máscaras de Carnaval, passeia o cornudo a ceiar.

Pois bem. Digamos em tons claros: Um colega franzino, um desavisado cliente bancário, uma pietista frágil, um burro opostunista, gente simples e esperançada demais, uma poltrona. Sustentáculo móvel de uma vida malandra, anseio soçobrado de atormentados versadores. E é assim, as pessoas gostam de ler cartas com sangue e suor, e não gosto de escrevê-las. Palavras, palavras; extemporizam a sensação e a diluem em perspectivas. A realidade em cru é suficiente e muda, acausalidade vil, chamada diabólica ou desumana, tanto faz, vai pela sua credulidade. Ou má fé. Nossos consagrados mentirosos, até por dizer, sagrados, não são feitos de muito mais.

Mas ainda em meandros e rondas noturnas na experiência, furaram meus olhos. Abandonou-me o cornudo com bagaços do mal. Sufocado por meus próprios calabouços, ou cristalizado pelo ódio inocente das vítimas tantas, ou sobrepujado em meu debalde de parecer, inevitável encontro com o mero ser. Já não sou visto se não como sombra e sinistro, e meus olhos só resplandecem martírio.

Morto, sendo vivo. Meramente, e irreal.


"Má Consciência é como denominamos um desejo reticente de algum remorso casual, uma hipocrisia amigável, ou mesmo uma vaidade mais ególatra. Sempre espirituosa a má consciência, quando negada - Pela boca".
(Dom Ramon, Reflexões sobre a má consciência dos homens).



quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Tempesta - Fuga

Diz-me o velho carcamano:
- Tempesta
Diz com voz esganiçada
velada,
na cadeira, que balança
balança,
Com olhos cansados, distantes
Ao negro - perigoso - de um
horizonte

Nosso litoral,
escuro
E nossa almeira
voraz
Nossas praias
vazias
Nossos barcos
encourados
Nossos homens
escondidos
Como nós

Rebaixados, nós
Os ventos nos comovem,
Ao meu olhar brando, ofendido
Ao olhar dele, esguio, branindo
A chuva agora cai,
fria
torna em raso, liame
fitas frias nosso mar
Ao nosso desgosto
compasso
Inerte
de um julgar:
- Tempesta...
.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Sufi

Eu sou meu hóspede, assento meu lugar na alta morada
Eu sou caminhante, minha é a casa dos ventos
Meu caminho inicia minha morada
Assisto e lá, passa a brisa em meu rosto

Sinto no íntimo o pesar de tantas
despedidas

Carrego no olhar minha dhikr
Senti, sofri no abismo
o suportar de minha hüzün

A parábola dos dois homens solitários

Eles vivem andarilhos na aridez forte e vaidosa da superficialidade, a vida simples, material, sem sentido e causal, solitária sem grupos, solitário sem irmãos, solitários sem confrades, viver sempre refutado e afirmado. Observam tudo tanto de perto quanto de longe, caminham em todos os sítios, não assentam nenhum. Em tudo são desacreditados pois em nada acreditam, pois em nada compartilham, e a razão é a pena com a qual sacrificam e vivificam. Sozinhos, distantes das profundezas claras da rotina, e das delícias das nuvens ideais. São bandoleiros. São, mesmo assim, opostos ao extremo.



O primeiro passa por todas as coisas sem pernoitar, mas anuncia com voracidade. Caminhou em todos os sítios e de todos nada conserva. Perpetua o hábito de ir - Sempre por ir. Lá ao longe é sua casa. Se é habilidoso? Por vezes, em vezes. Dedilha a viola, passa um passo, reconhece as mais brandas vontades, são tão breves quanto ele, tão ilusórias quanto ele. Tentar compreendê-lo é ver seus passos... Apenas.



O segundo pernoita, brinda até o último copo, não anuncia, mas vai sempre. Permanece sem permanecer em todos os sítios e de todos conserva saudades. Conserva o vício de ir - Ir é sua necessidade. Em busca de casa, distante. É amável, e tenro, acolhedor como a bonança. Conta todos os causos, é brando e loquaz. Confiam e estimam, mas vai... Nenhuma confiança abranda o desejo de uma confiança maior, bem, logo além".

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Manifesto do Eterno Regresso



(...)

A cadeia de eventos refaz toda obra

A morte orienta o que a vida manobra

Nega base segura para as filosofias

Se da carne que arde renasce criança

Os registros akashicos sugerem bonança.


(Wasil Sacharuk)

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

De amigos.

Lições de Amar

Amar é saber de rios,
lagos e estrelas.

Amar
é perceber a eternidade
guardada nas folhas
à espera do outono.

É
doar-se como doa-se a chuva ao rio.
É ver grandezas nas coisas
esquecidas
e ocultas nas margens.

Amar é ser água derramada no
mar.


(Raimundo Lonato)



MARCAS

Olha em meu rosto,
Já não conservo o mesmo olhar.
E o brilho onde esta?
- Apagou-se! Junto com meus sonhos...
Se a esperança espera a morte,
O que eu posso esperar?

Olha em meu rosto,
Essas marcas...
Não são rugas!
São cicatrizes...
Valas criadas por lágrimas
Ruas de deslizes,
Eu morri sem a morte me buscar.

Olha em meu rosto, mude minha face.
Hoje meu coração... Não reconheço,
Basta um sorriso seu que eu amoleço
Esse coração mestiço de pedra e flor.

Olha em meu rosto
Retire o sangue de sua adaga
Pois se feri foi por sua causa
E mesmo assim...
Eu lhe chamo de meu amor.

(Flávio Cardoso Reis)


Amor o melhor remédio.

Você é aquela pessoa,
Que mexe com a gente,
Desde o primeiro momento.

Você atrai,
Não por sua beleza externa,
Mas com o que se sente na sua presença.

Seus olhos límpidos parecem puros,
Transmite à bondade, a lealdade, a amizade.

Tem uma verdade simples,
Segura que dá prazer de estar com você.

Um sorriso franco que vem do coração
Fazendo a gente sentir uma felicidade,
Sentindo na alma uma sensação de paz.

Você tem alma de criança,
Sem maldade
Equilibrada.

Você é uma pessoa,
Que dá vontade de abraçar,
Para receber sua energia
Que faz a gente ficar bem,
Tirando todo o mal
Da mente do corpo e espiritual.

Você tem tanto amor para dar,
Que é capaz de curar,
Nossas magoas nossas feridas.

Quero que saiba que com você eu aprendi,
Que o amor é o melhor remédio que pode existir.

(Cláudio D. Borges)


A Cura... Meus pensamentos divagam devido meus olhos terem perdido o foco. Daquele amor, que há tanto já existia e comigo trazia. Fostes tu, meu doce 'amorzinho', fonte de meu sorriso. Me presenteando com a cascata, _onde colhia já bem cedin

(Keila Cen)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O porquê de escrever

Escrevo por não ser capaz de fazer. Minha escrita vai ao alvo apenas desejado, em si inexprimível, porém latente, aqui, comigo.

Transtorno Obsessivo Compulsivo

Eu faço, eu fiz, eu preciso fazer.
É pela manhã, em qualquer horário, é vontade devastadora.
Um impulso interior, demônio que rasga os músculos e rompe as veias, é profundo, amedrontador.
Eu sinto, toma o controle, é forte, é intenso, contamina a mente.
Está nos ossos, na boca, nos olhos, no tato, no agir e no repousar, cabal, consumidor.
Eu detesto e amo, eu preciso e recuso.
Controle que destrói, descontrole organizado, incontrolável fator.
Ele vem, como sempre, não consigo evitar.
Perco as forças, meus instintos negam, derramo lágrimas do desespero.
É o fim, é o fato, não posso não querer.
Eu faço, eu fiz, eu preciso fazer.

é agora, réstia

você, forasteiro próspero
sorri em minha tez
deixando supores
de minha epiderme

um tesão ocre
que reveste o hálito
e os lábios
de quem chora

O gosto da limalha
e da saudade
amarga a boca
antes beijada

atesta sem freio
esse poema obtuso
que reafirma a soma
de anseios e explora

sua audácia abriu sulcos
e liberou o glacial
da espinha ao córtex
fez-me nave vaga

declínio sob a mão
concreta e leve para tocar
uma resma, uma réstia
uma curva a me guiar

passo rumo ao parto
sutura e corte profano
pacto silencioso em gozo
da sua ilíaca e minha pele.


(Larissa Marques)

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Confissões de Alvoradas


Sinto um prazer todo especial em tomar um bom café da manhã. Biscoito granolar, bolo de fubá, suco caseiro de laranja, café sem açúcar ou café com leite. Pão francês, pode ser, mas com os queijos (minas ou prato), ou ambos, dependendo do bolso. Quando a coisa está boa, no bolso, geleia de uva no biscoito, manteiga no pão, quindim ou brigadeiro... Quando não, pão com margarina mesmo e o café, à carioquinha. Prato servido. Sem TV, uma música de fundo, no máximo. Os talheres, a fome; pronto.

Faço questão da xícara, sim, porque café precisa ser sorvido em xícara. Absolutamente, uma necessidade. Coisa insuportável é tomar bebida quente em copinhos de vidro. O calor escapa, a mão esquenta....

À apreciação, com satisfação.

Eu gosto de degustar devagar, com aquele brilhar de Sol amarelo e suave entrando pela janela. Vejo as nuvens brancas e o céu limpo, azul. Principalmente agora no Outono – Estação abençoada – Tudo aparentado em maior garbo.

... posta a mesa, a música de fundo, o reflexo da luz nos pratinhos, o gosto das coisas... Penso um algo ou outro, mas apenas de ligeiro, sem arrefecer a mente no espírito. Quando desfrutar, é bom desfrutar epicúrio, é como julgo. Cala-te estóico espírito!

[...]

... Os pratos acabam e ficam os farelos. O Sol mais quente, transbordar, e o relógio: faz-se ato. Os pensamentos crescem: [“Vá!”, diz Sêneca, e Epicuro corre longe]: Na rua a massa humana parece acordar. É carro, é gente, é buzina de bicicletinha, é preciso lavar as coisas, seguir a vida.

[...]

Então o silêncio aparece, surge, é percebido. Você fica ali sentado, tomando forças, olhando para os móveis vazios. Você pensa:

“Seria bom acordar com outro leito, mas por gosto. Entre os lençóis revirados, sem a principal motivação da embriaguez ou da volúpia vulgar. Pagar amar com amar”.

Então lamenta não ser menos complexo, por dentro. Infelizmente, por fim, a digestão será ruim.

Queimar os próprios textos

:[Um rabisco de algo maior]:


_

Acredito que o prosador, o poeta, o misticista da palavra, enfim, acredito que o escritor só alcança real maturidade quando é capaz de destruir seus próprios textos.

O desapego de si mesmo, a desnecessidade de público, a segurança completa em si mesmo e o ato de sacrificar a si mesmo, ao mundo. Existe algo de sublime, supranatural, antinatural, tragíco, louco e sábio aí:. Imaginemos então aqueles poetas orientais de Bukowski queimando seus poeminhas espirituais, imaginemos Gogol, louco(?), queimando seus últimos trabalhos, imaginemos Salinger escrevendo para si mesmo por mais de três décadas, imaginemos Kafka desejando a destruição de suas obras...


* O suicídio é a positivação máxima da vontade humana

- Arthur Schopenhauer.


... Desapego; que não tem relação com um resumo, ou com aquela versão ruim que será melhorada, ou com os supostos artistas mecânicos que só conhecem o frio da métrica (alguns muito famosos e aclamados, aliás), ou coisa que valha igual, mas desapego de uma parte de si, o desapego de uma emanação de nossa vontade, de parte do ego, da própria condição de ser. Tudo isso, muito longe do artista comum, verdadeiro, mas imaturo.

Da minha parte - E falo sem qualquer remorso ou comiseração - Nas minhas duas tentativas de suicídio enviei, muito metodicamente e com completa serenidade (não pensem que o suicida está desvairado, ele não está), todos os meus melhores textos para amigos próximos. O desejo de morte não superou a ideia de deixar todos os meus escritos largados. A ideia de morrer, inexistir, sim, mas pelo menos garantir a possibilidade de um suposto "valor" depois de morto, tal como o homem comum que conserva na gaveta aqueles poemas da adolescência, ou aquele violão velho, ou aquele garoto que rabisca o caderno, cheio de gravuras, para entregá-lo ao colégio no fim do ano com uma "marca pessoal".

A vaidade humana supera a morte, já dizia Aires.

O bisneto de Rameau

- Pois é daí que digo, meu amigo, Tu, confidente. Pompéia via além dos próprios olhos.

- Retorna aos Cavaleiros Andantes. Teu Eu é tão pretensioso! Vais explicar as curvas do mundo agora... !

- Tu, amigo meu, é cego por não desejar a visão. Vejamos nós: Não era Hércules Divino o herói antigo, do mundo da força, dos sacerdotes, dos primeiros poetas? Não era Sócrates, depois como Jesus, o herói meridiano, do mundo do pensamento, dos ascetas, do pensar como Deus?

- Lá vamos nós... Pergunto-me: “Pensas em Platão enquanto alivias as tripas?”

- E no mundo moderno? Sabe quando ele surgiu?
- Cruzadas? Grandes Navegações?
-Qual nada! Surgiu em Orlando Furioso, de Ariosto.
- Doido! Uma droga de um poema?!

- No poema, sim, na sátira aberta e despeito ao nobre: Cavaleiro, místico, aguerrido, cortês. Orlando vai contra tudo isso, pois já é tempo de ser outro.
-É fácil deleitar a língua em defuntos. Fala do hoje, coveiro!
-Ariosto iniciou, e James Joyce concluiu. O herói está morto.

- Quem?
-Todos. O herói morreu. Todos os heróis estão mortos. Graça e viva, direitos iguais, democracia, já não é mais tempo de idolatrar o homem. Veja, se já não idolatramos nem mesmo o Pensamento ou Deus? Ulisses amigo, a tragédia do homem comum, é o calabouço dos titãs.

-De poesia fala em política e religião. Papo de doido. Amigo, convence teu Eu inchado, a vida aqui no mundo real anda realmente trágica. Lembra: O herói morre no final.


Eu pensei, mas sem responder: “Morre, vencendo”. Mas são simplificações.

Encantos do serviço militar

A ideia de "serviço militar obrigatório" em um Estado democrático e soberano só poderia surgir no cerebelo de uma oligarquia de extratificação com ranços tímidos e medicinais de liberalismo, tal como o Brasil de hoje e sempre. A própria noção de "ter de servir" é um dilema de qualquer adolescente brasileiro, assim como a iniciação sexual. Serviço militar obrigatório... Comerciais louvando o heroísmo, jovens saudáveis sorrindo enquanto sobem montanhas ou descem armados em praias... As delícias do militarismo. "Aprender disciplina", "aprender a ser homem", sofismas iguais.

Só um é o objetivo da guerra - Destruir. São dois os objetivos do soldado - Destruir e matar. A vitória é destruir antes de ser destruído. Nada além. Material humano, armamento, jogo político, todos elementos perpendiculares do eixo, e o eixo é a violência. Evitando a violência, conservando o agente violentador. A discórdia humana em seu nível mais elevado, não a luta de um homem contra outro homem, mas a luta de grandes valores contra outros grandes valores (a nossa nação, a nossa ideologia...). A guerra é Deus, e só os mortos conhecem a morte de Deus.

Escrevendo aqui, quase posso rir. Quanta propaganda!

Sou filho de fuzileiro naval, mas os de boa mira e concentração, como eu, seguem melhor na artilharia. Um amigo meu taxista serviu na Garagem. Subiu patente, pediu baixa. Táxi dava mais lucro. Quando garoto, conheci um amigo dedicado em ser sargento músico do Exército. Hoje toca em Igreja. Um tio meu, homossexual, serviu no Rancho dois anos e ganhou medalha por bom comportamento, escondeu sua tendência sexual para tanto. Por ironia, ao mesmo tempo, em um número de 10 marinheiros, 9 são gays e o último sem dúvida já chupou ou foi chupado. Acordar cedo, limpar as coisas, respeitar os horários; tudo que um militar brasileiro faz. Então, quebrando a rotina, os desfiles: Marcha, boina, frases bonitas de força e coragem...

Mas todos nós, nós que já adentramos um Quartel, sabemos bem: O único objetivo do soldado é voltar para casa.

Cabeça de boi

Gotejando do cutelo o sangue do bicho, murmurava a velha bruxa sons pagãos.

- Paimon, o Belo, exige qualquer diversão...

Todos nós admirando tais coisas com fascínio e horror, enquanto e observando a velha exultar sozinha e com seus demônios mero ego doente. Bradando, atentando aos nossos gestos involuntários e hesitantes, perscrutando cada um desejando nosso pânico para o seu divertimento. Criatura abominável.

- Ehjgggg - Em trejeitos insanos - Ehjggg, eia, eia, ehjgggg, xia!

Sintia pânico, sim, mas também ridículo.

*

O rapaz ossudo de olhos nervosos, na ponta direita, era Wando. O fomentador da coisa, muito interessado em provar sua antropologia ousada tendo a famosa velha louca do bairro como cobaia ideal. No centro, Triani, o mais nervoso dentre nós; ainda hoje indago, "Qual teria sido a motivação do infeliz?". E na esquerda eu, o famoso, entre nós, Sidius; minha alcunha.

... Ainda lembro com mente e sentido o subir do incenso, o cheio agridoce e angustiante das ervas, os desenhos tão impressionáveis no chão em fortes tons, as luzes contrapostas e ofuscantes. A náusea de uma sinestesia forçada, o esforço em não deixar a brincadeira apartar dos limites da razão, mas brincar. A velha, transmudada, fora de si dançando e falando sozinha. Wando, Triani, ambos assustados, assustados o suficiente para fingir uma acuidade de análise irreal, tal como eu. Tudo inquietante, no mínimo, para não dizer detestável. Mas o pior era o incenso, muito intenso, muito intenso mesmo.

- É o Rei Demônio! É o Rei Demônio, vejam! Vejam! VEJAM!

E falando assim, continuamente, uma fumaça estranha como um clarão contornando a todos nós surgiu. E da fumaça um vulto, o vulto, uma espécie de homem-monstro montado, jorrando frases em nossas cabeças. Jorrando, lançando em nós imagens de oceanos esverdeados habitados por criaturas, e velhos castelos com homens multicoloridos, muito mais em palavras e frases incompreensíveis. Ato contínuo, desviei do rosto, e, tentando respirar e correr, tropecei em um ramo caído.

*

Da velha nada sei. Desapareceu com a fumaça. Com Triani mantenho contato, um professor especializado em Botânica bastante habilidoso. Mas de Wando... Está por trás do meu doutorado em Psiquiatria. Vive recluso até hoje.

Nota românica

Exortações aos de pouco memória

Aquele que teme o passado teme também o presente. Como criança, afirma sua própria identidade mediante a rebeldia contra os pais, como se a sombra fosse mais real do que o contorno. Diferente é a maturidade intelectual; aqui, constrói uma forte paliçada, experiente, tendo como estacas madeiras de velhas florestas. Não são mesmo os bobos bons em viver de insultos? O espírito forte respeita o mestre por confiar na própria espada. Fica assim um medicinal veneno aos insensatos.

[*]

De fato, todos os caminhos traduzem Roma. Roma. Tenho grande acuidade e um olhar cortês aos romanos e suas utopias, tão sangrentas, sinceras e belas. As dúvidas que traduziam Cipião, o Velho, refletiam a penumbra romana entre a beleza dos filhos de Helena, Palas Atena e seu encanto, e a selvageria do sangue, herdada do pai dentre todos os pais, Rômulo, filho dos lobos. Não existiria Rômulo mesmo na dureza de Sêneca, em suas duras palavras de paz? Calígula, em seu despeito de tudo, não estaria sendo ele mesmo uma filosofia de seu hedonismo? E não fez Juvenal de Aníbal seu demônio de teatro? Quem viajará os viligantes? Seus medos, responde. Não foi Augusto o Primeiro Ator?

Das longas estradas e de suas legiões e do incêndio da Cidade-Mãe e da tempestade de suas paixões. A mesma beleza esnobe de Suetônio e Plínio, no deboche amargurado de Ovídio e Tito Lívio, e a mesma amargura de Virgílio, na sátira de Horácio. A megalomania de Júpiter, encarnada nos Imperados primeiros, não seria o mesmo morto orgulho, de Marco Aurélio e dos primeiros cristãos?

Roma, Roma, nosso pai, Roma. Se ao menos a beleza dos olhos romanos não fosse o saciar parco de um lobo satisfeito em quebrar e partir, talvez, com cabeça de leão e asas de penas, não tivesse morrido o mundo para renascer outra vez.

Pompéia

Contou-se o mundo, O Ateneu. No suco de suas palavras.

Vida intensa, sede larga. Quis a liberdade e o fim do escravo; República, Platônica; progresso e ordem sobre os frascos, danados, de miserável senzala. Imensa.

Imenso de si, derramado de seu ser. Findou-se. Libertou-se.


Enfim.


Como em um curto conto.

Dom

-------------------------Celso Ribeiro-----------


Franquia-me a lucidez da tua ótica
O presto sentido que denotas ao tópico
A precisão imprecisa do auto improviso
A forma como te moves do natal ao óbito
Explica!

Tens o dominio do sinóptico
Acuidade nos sentidos
Pele
Coses a pudicícia na trama da malícia
Com fita (mili)métrica cronológica, aferes
É possivel?
Revela!

Remendas o que é velho e o tornas belo
É vero?
Tratas com vapor o desalinho
Engomas o descomposto
Farrapos em tecido fino
Mágica?
Ilógica!

Espera!...

...Voalá! (estampido/fumaça)...

Água em vinho
Dom em obra antológica

Aplausos!

domingo, 12 de setembro de 2010

Giacomo Leopardi - Curto ensaio crítico


La Natura, purissima, tal qual è, tal quale la vedevano gli antichi: quell'albero, quell'uccello, qual canto, quell'edifizio, quella selva, quel monte, tutto da sé

Eu sou do tipo que deseja sentir em uma poesia todo aquele poder primitivo e subconsciente de uma linguagem iniciática, em princípio consciente, tornando-se inconsciente, orientadora de pensamentos e emoções profundas. Aquela linguagem especial de oferenda aos deuses, do rito sagrado, o sibilar rítmico: A magia, filha da Arte.

Não que seja do meu interesse utilizar dessa comunicação mística, outrossim, fala aos homens como um também. Dos poetas, apenas aqueles que falaram ao homem enquanto homens estão entre os meus interesses: Mestre Ovídio, Mestre Schiller, Mestre Nietzsche, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Neruda, Pound, Dante Milano... De hoje ou de ontem. Estou mais próximo dos mortos do que dos vivos, mas posso senti-los ainda hoje, em suas análises que, veja, são retratos de fatos, sentimentos, seres. O poeta está entre a naturalidade inumana da música e a construção totalmente humana da palavra; ele é abraxas.

Dentre todos, Giacomo Leopardi resplandece alvo. De uma estrutura clássica, de um lirismo forte, de uma tradição arraigada, de um nacionalismo fanático, uma paixão etrusca, romana, fascista até, acorrentada ao Romantismo à Weimar, ao desejo profundo do saber, do tocar, de um pensar pessimista extremado até; de cinzas e cascalhos as palavras ítalas do poeta arrebatam o espírito e a alma. Cada verso, cada imagem, cada representação: Ele arrebata, ameaça, investe com fúria, com paixão, mas também com bondade, mas bondade leviana. Estando no precurso do ultra-romantismo, revestido de bagagem intelectual, alcança uma imensidão própria, particular. Está entre Kant e Schopenhauer.

Ele diz: Você é insatisfeito, o mundo é indiferente, incomensurável, caminhará em frente e o abismo surgirá. É preciso saltar o abismo e não sentir a queda; cair, descer ou voar

.

E come il vento odo stormir tra queste piante, io quello infinito silenzio a questa voce. Vo comparando: E mi sovvien l'eterno, e le morte stagioni, e la presente e viva, e 'l suon di lei... Così tra questa Immensità s'annega il pensier mio:


E 'l naufragar m'è dolce in questo mare.

Um poeta violento - Crítica com sopro imagista


" (...) Eu o chamo de o menino,
Mandando-o sentar-se de joelhos para escrever e selar esta,
E envia-lo-ei a milhares de milhas, a pensar".

Carta Exilar, Ezra Pound (trad. adp. livres minhas).


Abandonemo-nos de seus fanatismos ideológicos. Deixemos de lado sua loucura, seus extremismos, seus apetites de ígnea razão. Ezra Pound, crescentemente, é autor que mais chama minha atenção dos de lingua inglesa, no século XX.

De uma ousadia estranhamente dogmática, a poesia de Pound revela um frenesi e uma angústia muito característicos do século XX. Mais do que isso, nele já observamos uma espécie de selvageria, uma segunda maneira de lidar com a angústia vintista, varguardista para seu tempo (desejo seu, de fato).

Pound, platonicamente falando, com todo seu espírito aristocrata, com o redemoinho (Vortismo) de suas emoções e com o artífice de imagens fortes e um linguajar imperioso (imagismo), faz de si algo como os alquimistas medievos. Utiliza-se da poética de um modo obsessivo, com intuitos claros de romper barreiras, trapacear, não com a natureza, mas com o próprio homem. Um poeta violento.



" (...) Vai, livro natimudo,
E diz a ela
Que um dia me cantou essa canção de Lawes:
Houvesse em nós
Mais canção, menos temas,
Então se acabariam minhas penas,
Meus defeitos sanados em poemas
Para fazê-la eterna em minha voz."

(trad. adp. Augusto de Campos)

Poucos ou ninguém

Ontem, caminhando na campina, acomodado no brilho luar, eu chorei e sorri: Uma coruja voava, branca e livre, solitária e distante.

Nau e tempesta

Estanque, no leito, o velho Almirante alistou:

"Na galera do mundo vive, e como brisa, bate em velas, esvai, fica o mar. Vida; sono da morte".

... Tornando-se negro o mar de seus olhos, quão noite, sem amanhecer jamais.

Tempesta...

Se fui belo, tragédia e luz, fogo queima
Se minh'alma, contraste, luz sombra, revolta, fogo queima
Se fui trágico, em luz sombra e revolta, fogo queima


De Nolan, do mundo, de todo e largo
Renascido, antigo, de oculto e belo, ao alto
Giordano, e Bruno, Stagno, ao mastro


Minha vida, minha morte, sempre viva, e morte viva
Feliz na dor, e na dor sorrir, e viver, e morte viva
Luz da Verdade, Sombra da ideia, penumbra do ser, e morte viva


Minha vida, morte, e viva.

Os pássaros


A qualidade do pássaro é medida pelo canto. Ouvi muitos pássaros. São todos trovadores; cantam aos amigos distantes, aos amores ausentes, cantam com orgulho, mas não falam de nada e com nada estão presos. Os pássaros só cantam, ou melhor, falam livres seus pensamentos. Arregalam as goelas e começam a tocar estridente, disforme, arrepiado, acalorado, com muitos tons, canto longo, curto, como apito ou sirene. Cada pássaro canta seu canto, todo pássaro canta um canto.

O desprendimento é total. O pássaro é vaidoso, sim, mas é brando, e se gosta, é gostar pouco e breve e intenso. Come e aceita a comida, mas quer ainda a brisa, o vento ao alto. Inquieto e insistente, selvagem sempre, e de todos os lugares. Se a natureza tem sua canção, ela é equalizada pelo constante e perene cantar dos pássaros. Marcam um terreno, caracterizam uma paisagem, entre os ramos vegetais e os animais, e o vento e a terra, lá estão os pássaros fazendo barulho, fazendo canto. Em todo canto ele canta, ele o pássaro.

... E é melhor ouvi-los cantar assim natural, livres, de todos os pássaros soltos para todos os pássaros, do que apenas um aqui, em minha mão, para cantar bonito ao meu ouvido, dizendo "Lá, quero estar!". Dizendo:

"Ser sempre um livro aberto. Expressar toda a própria singularidade. Em um, e em todos os lugares e meios.

Querer morrer dizendo com ironia, satisfação e saudade:


Não levei nem mesmo minhas cinzas"

OBS: http://www.helenmusselwhite.com/page5.htm

Terror e desespero.

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Se ao menos minha alma covarde sobrepujasse os abismos de meu desespero eu saciaria raros momentos sem terror. Eu correria em verdes campos, eu saltaria em brancos lagos; meu caminho não seria esse chão árido que sangra meus passos. Eu não desejaria tal quão sede o meu próprio fim. Meu perecer, minha liberdade.

E em meu desalento, eu amaldiçoo meu nascimento - "Natimorto nasci, e aos sepulcros retornarei". E em meu desalento transgrido minha carne em excessos, e em meu desalentar blasfemar minha razão. Em desalento louvar sofrimentos, vivê-los, amá-los. Amar o sofrimento, detestar de si. Em desalento, perder a si mesmo para derrotar o mundo. Em seu desalento, fazer das próprios ruínas alabastros. Encontrar por fim no desalentar um cálice amargo, e enquanto ama o sofrimento, persiste em sacrifício, em vida.

E de fora indagam aqueles que não conhecem esses mistérios - "Alimentando-se de ilusão, não estaria nutrindo seu próprio veneno, da cura a exalação da doença?"

E em prantos, responder: Mea culpa, mea culpa!

Ausente de enternecimento

Sim, existe o pico do monte, a imortalidade da glória, a saudação do virtuoso. Estátua de bronze, citações, uma foto reluzente por gerações e gerações. Mas, sim, existe a vergonha, o escárnio, a incompreensão, a falência e o esquecimento.

O vencedor é um. A equipe, a dupla, o primeiro lugar... Além do reluzir ofuscante, na penumbra por detrás, jazem todos os muitos "segundos": os quase vencedores, os que tentaram até a estagnação, exaustão, e aqueles que não tentaram. Lá, nas trevas, desaparecem como velhos ancestrais, como o Outono de outrora; decaindo ao anoitecer longo, frio e escuro do Inverno...

... E não existe Beleza aqui...

... Mas, em desalento o homem perplexo indaga, chocada por tristes verdades: - Seria vão?! Grita em misto de raiva e esperança. E a resposta não é outra, é "Não".

Imaginemos então o velho retirante, de vida vagabunda e incerta, daqui e de acolá, entre amigos e inimigos, entre amáveis e tiranos. Tendo o céu como teto, o vento como comadre, o dia como caminho e a noite, abrigo. Imaginemos que o retirante por um momento estivesse aqui, ao nosso lado, e se assim fosse perguntaríamos - Qual o ganho do retirante?

Ele não responderia. Retomaria o fôlego, caminharia então.

Lya Luft e outros vivos

Certo é: Vive mais a literatura dos sepulcros antigos de velhas mentes e das sombras da paixão pelo Belo. De qualquer forma, existe tanta beleza possível no hoje quanto no ontem. Então que seja embelezado o agora....

Dos escritores brasileiros atuais, quem mais me agrada é a escritora de nome engraçado Lya Luft. Lya Luft... Faz pensar em personagens engraçados da Disney. Não, muito pelo contrário, o visto em Luft é uma literatura intrigante, bem estruturada e com um tom bastante atual, livre de classificações apressadas. Uma espécie de realismo em contornos românticos, faz até pensar em Thomas Mann - Mais leve, mais subjetivo, e feminino. Pensar é transgredir, um texto de especial mérito, merece não poucas leituras.

Em um campo mais técnico me agrada Boris Fausto e Marcelo Gleiser. Como Sidney Chalhoub, escreve Fausto História com charme, mas diferente do último não é tão bitolado em Marxismo. Chalhoub quase transformou Machado de Assis em um líder sindical em sua análise. Fausto tem mais humor. Marcelo Gleiser faz o mesmo nas Ciências Difíceis, fala da física do mundo com beleza. Criação Imperfeita, belo trabalho, seria magnífico se não tentasse justificar a prerrogativa Deus tentando salvar o velho e acabado argumento teleológico. Drauzio Varella que nos salve!

Falando em gringos, faz um tempo que tento ler Stieg Larsson (certo, morreu). Vamos a outro: Cormac McCarthy. Na curva da esquina, mas vivo. Antes de nosso guru espiritual Chuck Palahniuk dar acabamento ao espécime, já fazia lá trás McCarthy Ficção Transgressional em seu terrível Meridiano de sangue. Um livro imperdível. Uma porrada muito forte no estômago, sem pedido de desculpas, assim pode ser explicado o estilo de McCarthy. Também não é possível esquecer de Richard Dawkins, um sátiro e propagandista de primeira. Deus, um delírio apresenta alguns momentos dignos de George Carlin. Saramago, que parece aumentar ultimamente a intensidade de sua literatura. A mão em Caim é bem mais agressiva, penso eu, do que em O Evangelho Segundo Jesus Cristo. É desnecessário comentar essas idiotices “sucesso de vendas”. Vampiros indies, teologia de Cabana e privada, mistérios escabrosos e coloridos da Igreja Católica...

Para finalizar, Orhan Pamuk. Neve. Para ser sentida, faz uma literatura de sentimento piedoso e contrição. Um tanto perdido em um mundo como o atual, Pamuk é serenidade em tempos de guerra.

Velhos amigos - Fragmento

Pela segunda vez retorno ao mesmo aprisco.

São ainda os mesmos rostos reconhecidos, envelhecidos, os mesmos garotos, homens feitos, caminhando ao lado das meninas de outrora, damas cortejáveis. As casas, as mesmas, e os hábitos, quase idênticos. O mesmo amanhecer, tão claro, também tão ignorado. As mesmas impressões de outrora, redobradas em sentido e detalhes.

Caminho na mesma rua dessa gente perene, passando pelas mesmas casas, experimentando as mesmas comoções, sim, e aqui com tanto novamente sinto nostalgia. Ignoro saudades. Porém, com qualquer sensação de perda, desejo novamente abandoná-los. Nem mesmo seria abandono, ainda e agora, são assim quão sempre estranhos, distantes. Aquele casal não me reconhece; olham, dobram o olhar; tal como as ruas, e as casas... Diferente apenas o Sol, como antes.

E vou.

A escrita

João K. Acordou e por fim escreveu e entregou uma carta. Carta entregue, sem promessa de retorno, assim como fez todos os dias desde então, até a morte.

As cartas de João K. eram entregues a sua amada Beatrice. Beatrice. Beatrice que por uma vez, em um passeio público, com um leve sorriso no rosto, desejou a João K. – Bom dia! – Observando-o com a mais branda, serena e sincera honestidade que João K. experimentara em toda vida. A mesma Beatrice do colégio, a mesma Beatrice que sentava atrás de João K. pedindo cola, a mesma Beatrice que namorou seu amigo Humberto, a mesma Beatrice que casou com Humberto, teve filhos, viu netos, morreu.

E em todo tempo João K. esperou. Esperou pela amada. E desde aquele inesperado encontro no passeio público, quando ainda contava com 12 anos, passou a pensar em escrever uma carta a Beatrice, confessando seu amor. Esperou que sua amada estivesse livre, por respeito aos bons modos e ao amor de Humberto, seu amigo... E esperou...

E toda Quinta, pela manhã, depositava uma carta em seu túmulo. Cartas de amor, e esperança e paixão. Cartas levadas pelo vento ou destruídas pela chuva.

Entidades

. Futuro.
Perdidos nas ruínas,
com suas cabeças esmagadas,
os selvagens escravos de Angerona destroem.
.


.Comédia.
Cai a máscara,
rasga a carne,
não treme, ri.
.

. Tragédia.
"O homem humilde venceu". Pobre amigo, come teu pão ázimo, bebe tua água rala. Eu, pior entre os piores, ardo no Inferno e contemplo o Céu.
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. Revelação.
... Então eu vi os portões do Inferno, e eles foram meu espelho: Eu, o Príncipe das Trevas, rei de minha dor.

Jápeto


Ainda conservo na memória a emanação de poder absoluto e orgulho daquele velho, alquebrado, imenso em sua ruína. Meu avô. Descendente de um bastardo de boa família portuguesa exilado no Brasil por casar com uma negra africana, neto de escravocratas, simpático ao regime militar, aquele velho sabia intimidar.

Um homem de respeito para todos, principalmente pela porta a fora, mas na própria família o centro de todas as coisas, um Deus do Velho Testamento cheio de admirável poder e condenáveis atitudes. Um tirano. Utilitarista, cruel em muitos aspectos, benevolente, por vezes, mediante esforço.

Com o primeiro de seus netos, apenas canduras e afetos. Um garoto introspectivo, de grossas olheiras, bastante polido e educado (naquela época), embora desleixado. Sempre as unhas por limpar, sempre o talher errado. Todos corriam por mostrar, fazer ver, ensinar o modo certo, mas tudo repelia com tédio e dentre todos apenas um permanecia firme em seu interesse, constante, perene, livre das vulgaridades das rotinas, das pessoas simples e do formalismo: Ele. Ele parecia rir por dentro e por fora de tudo aquilo. Um agnóstico exaltado, cheio de deboche e hipocrisia, mais parecia um velho general, embora fosse detetive aposentado. O ponto mais baixo de uma família aristocrática caída, casado com uma carola egoísta, pai de um vagabundo, morando em um bairro medíocre, todos esses fatos pareciam estar abaixo de seu indestrutível desdém. Com ele, ninguém podia; vencia a todos na palavra, fosse no argumento, fosse no insulto. Parecia acreditar apenas em algo: Seu próprio apetite. Falava com sarcasmo até da própria morte, e, realmente tranquilo, morreu. Morreu em meio a uma cirurgia, sedado.

Daquele velho "nada fácil", como foi imortalizado, apenas um conservou o ímpeto, os sentimentos exaltados... E foi o garoto introspectivo, de grossas olheiras.

Angerona, outra vez

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Comigo retorno ao templo;
adentro meu templo, meu interior.
Templo de Angerona, retiro do tempo.

Nos braços de Angerona, na amargura do templo,
comigo, em meu vazio, meu alívio, dor.

Cercado, abrigado, pelos braços, de Angerona.
Angerona, outra vez.
Permaneço em meu templo, silêncio, vazio. Alívio e dor.

Geração Vertigo

Dia desses retomei antigos prazeres; uma edição dessa nova aventura da DC, revista Vertigo, uma série de pequenos recortes do selo em uma só revista. Na minha edição Lugar Nenhum, do Gaiman, mais Scalped, um dos melhores lançamentos da década, com Nórdicos, Casa dos Mistérios e, naturalmente, Hellblazer. Vivi muito tudo isso.

Eu sofri as melancolias de nosso perpétuo finito, Lord Morpheus. Vivi as aventuras de John Constantine entre cigarros, demônios e palavrões... Parecia retomar as mesmas impressões.

Desde sempre meu gosto é obscuro. Quando criança, gostava de desenhar demônios. Desenhar demônios talvez seja toda a minha arte. Na turma da Mônica, gostava da leviandade do Cascão e do oportunismo do Cebolinha, assim como com Tom, Dick Vigarista... Detestava os finais. Na adolescência a atração ao Gekiga, aos independentes e aos selos adultos americanos foi automática. Dos orientais, li muito Éden, Evangelion, Akira, e recentemente o excelente Death Note. Alguns desenhistas argentinos de fina crueza. Na América, Monstro do Pântano, Watchmen... Já existia ali um apaixonado pelo realismo, pela vida material, e ao mesmo tempo, alguém incapaz de abandonar o fantástico, incrível.

Se existe semelhança entre nós? Todas. Sarcasmo, cultura polifônica e atitude de contradição. Minha geração e Vertigo, da mesma época, fim dos anos 80... Fim do Sonho, Capitalismo hegemônico, contra-cultura, globalização em prática e vista, planeta como uma casca de ovo: Vertiginoso.

Mas, fora isso, lá estava Constantine... Casaca amarela, cigarro na boca, sarcasmo... O mesmo John de sempre.

Estadia em Koishikawa.


.
Meu papel de parede representa um quadro japonês chamado “Casa de chá em Koishikawa depois de uma nevasca”, de 1832, de um nipônico honorável, Katsushika Hokusai. Uma imagem simples:

“Próximo, está a casa de chá, e nela as gueixas um tanto alvoroçadas observam aves bem ao longe, no ângulo esquerdo superior da tela. Acompanhando a imagem, observamos que a casa de chá fica situada em uma posição superior em um pequeno (aos nossos olhos é pequeno) conjunto de casas formando um vilarejo (Koishikawa, enfim) de construções padrões, espalhadas entre árvores e próximas a um lago. Logo além do lago um monte garboso – É impressionante a fascinação japonesa por esses retratos de montanhas – e, acima do monte, seguindo em seu horizonte, as aves que fascinam as gueixas. Faz frio, tudo está coberto de neve”.

A coisa é toda simples e sucinta, despretensiosa eu diria. Não existe aí nenhum ensinamento supremo de Buda ou um segredo profundo do taoísmo ou confucionismo, nem uma bandeira nacional... É, de um modo exato, aquela atitude asiática (boa ou ruim) de estagnação contemplativa. Tudo falando por si, e em mímica.

... Posso ver essa casa de chá horas soltas...

Porém, nas horas soltas, não posso deixar de pensar em Van Gogh – Outro miserável – tão admirado da arte oriental. Também Schopenhauer... nem preciso explicar. Enfim, é curioso como nós, espíritos obscuros e profundamente melancólicos, desgraçados da vida, conseguimos gostar tanto de coisa que, também não negamos, é banal demais para o nosso ígneo Ocidentalismo. Heráclito riria disso tudo...

... Mas... Deixemos de lado a prolixidade e os mortos dentro dos caixões. O fato simples é: A pintura é excelente. Motivo? Ela é. Não se explica a Metafísica do Belo... Com toda sua simplicidade, funciona, com todo seu despropósito, toca a alma... Não posso deixar de amar a casa de chá de Koishikawa.

Talvez exista, sim, supremo ensinamento de Buda em tudo isso.

Íon, e o Demiurgo.

.Meu Eu-artístico é segurado pela mão, mão de meu Eu-filosófico; o primeiro vê e cai, o segundo não vê o abismo e permanece nele...

Quando estou mais atormentado, transbordo versos, sou o surrealista, o homem torto, vendo o mundo torto, vendendo mundo torto. Pois minha musa é dríade, e não perdoa caminhante bobo. Minha musa é maliciosa, detesta a flor, adora a espinho. Caminho. Caminho na escuridão de seu manto, escuro manto, manto de imensidades... Distantes...

...

Quando estou mais calmo, sou estóico, sou centrado, direto, sucinto. Vejo um mundo impossível, com meus olhos imperfeitos, e nele encontro, sim, algo de belo, algo de harmonioso. Existe nesse silêncio o respeito. Existe nesse céu cheio de estrelas, lá, ao alto, um caminho permanente. Existem nos rios verdades possíveis. Existe um vir-a-ser no qual o ser e o não-ser transpassam sempre, e até o sempre, ou quase o sempre.

...

Dois demônios, entre dois demônios.

A Candelária e o entorno

A Candelária é o coração do Rio. Retoma em decadência, selvageria e altura o nosso trágico espírito. Não que me agrade esse goticismo eclético, mais gótico, essas janelas mal conservadas, essa pretensão tão tola próxima ao rigor do romano prédio do Santander. Não, não me agrada, mas não quero falar da Candelária.

O centro do Rio como um todo sempre me causou impressões profundas. Eu sou carioca, nascido no maior hospital de emergência da América Latina, localizado no entorno da Praça da República, o Hospital Municipal Souza Aguiar. Retornar ao centro, porém, nunca é retornar, é sempre encontrar um lugar sensivelmente diferente. Psicologicamente, vejo o viver como uma redução do mundo. Quão impressionado fiquei na primeira vez que vi esses gigantescos prédios bancários, ou o velho relógio da Central do Brasil! Hoje não vejo essa grandiosidade, vejo sim uma miscelânea de formas, entre prédios centenários, ruína de urbanismo, mata abundante e a modernidade teimosa em vingar. Tem sua beleza, mas é preciso acostumar-se a seu feitio. Estou acostumado ao seu feitio.

Peguei toda a Presidente Vargas até a Rio Branco, seguindo por elas, todos os melhores pontos do Rio. Melhores pontos para objetivos elevados. Passando por esse mundo de prédios, carros, e gentes, não se pode desconsiderar a alta individualidade do carioca. Somos todos parecidos, mas sim no porte e não no modo. Entre jovens, mendigos tagarelas e sujeitos exóticos vinham dois empresários – Terno, gravata, a coisa toda – conversando amistosamente e no movimento só pude escutar “E ela me deu a buceta, ué!”. Ri.

Na altura do Teatro Municipal um trompetista gozador, de uma de suas janelas, tocava a música tema do Pica-Pau aos transeuntes; o traquina tocava bem. Ao lado do Teatro está o Museu de Belas Artes, parei, perguntei alguma coisa ao porteiro. Conversavam ele mais um empresário baixinho simpático. Troquei umas palavras e segui (O lugar não vela a pena, está cheia dessa arte vanguardista incompreensível feita em borrões e aços retorcidos).

Adiante, cruzando a rua, a Biblioteca Nacional. Resolvi fazer o pequeno tour. A moça era nova, coitada, precisei explicar algumas coisas para a garota. No meu tour, pai e filho sulistas, uma hispânica, mais um povo do norte. Gosto dessas garotas nortistas, elas me causam excitação, têm traços caucasianos em pele entre o negro e o indígena. Qualquer dia desses ainda devoro uma. Dou uma canseira na danada. Enfim, o tour é ruim, não permitem tocar em nada na visita acompanhada, mas também, o lugar conserva mais de cinco milhões de exemplares de obras em espécie (só no prédio principal), com um número de 500 funcionários fixos. Tudo indicação, lógico. Aqui no Rio quem não conhece ninguém vive sem nada. A moça do tour era idiota, mas conhecia alguém.

Segui até o final da Rio Branco, dobrei a rua, passei pelo consulado americano, um prédio depois, Academia Brasileira de Letras. Parece um prédio do Santander, porém com uma estátua de Machado de Assis na entrada – O único monumento público bem conservado em todo o Estado do Rio de Janeiro sem qualquer sombra de dúvida. Entrei, encontrei o recepcionista, que mais parecia um ator pornô de tão exuberante, flertando com uma das moças da limpeza. Machos são soldados por natureza, quando não estamos lutando uns contra os outros, somos amigos. Dei um sorriso afirmativo ao garanhão e peguei o elevador. Subi. Entrei na sessão em homenagem a Machado de Assis; um cubículo sem graça. De mais atrativo sua cama e seu jogo de xadrez; tudo em tons marrons, bem machadiano.

Acabava o dia, lentamente. Segui até a Uruguaiana. Já começava a cansar, pois sou robusto, mas não sou um cavalo. Pedi um café, um empadão de frango e uma lata de Coca. Detesto Coca, mas com massa podre desce bem. Fiquei a pensar. De repente me veio Bezerra da Silva... “Se segura malandro, pra fazer a cabeça tem hora”... Fiquei pensando. Na verdade, não sou maloqueiro, mas mané também não sou. Fico assim, buscando a malandragem, sabe como é. Enfim, paguei e segui. Hora de retornar ao meu bucólico subúrbio.

stava assim sem cabeça pra “fazer a cabeça” ou encontrar alguém. Voltei de trem, sentado no canto, pacato, olhando as estações.

A viagem não foi de toda ruim, digo, para o pretenso malandro. Na Academia arrumei o telefone de uma nordestina, vinda recentemente do Recife. Gordinha do tipo gostosa, morena, do tipo que faz com vontade.

Oblivion

. Oblivion.
My soul, broken.

Aloof,

from myself.
.
.Sulfur.
Thought, stillbirth; "for the sound of crow".

Crow, on midden, it makes me look: Scree.

He contemplates. Not from outside but from within.
.
.Excalibur.
Words deepens the bond,
meat and fire in iron,
in heart,
... Us mere touch sensations
.
.Geodesic
This life... Feel it, breathe it: Geodesic
.
.Relativity.
Restricted Relativity is leaving late for the meeting expected, General Relativity is you know it's not tightening enter, but the Universe.
.
.Prophet quote -.
Good times gonna come, left behind".
.
.Room.
My room is a small medieval laboratory. Full of books, small equipments, a surfboard and a Crowley-Harris tarot for self-analysis symbolist-deductible.

A vida universal


Diminuindo a personalidade ao mergulhar definitivo de uma vida universal

As pernas doem de um modo incomum. Longa foi a jornada
- demasiada - exagero demais nas minhas caminhadas.
Aliviando os pensamentos, através de passadas,
quando no largo sobrevém o cansaço.

Cansaço em mente, concentrado migrar.
As pernas, em simetria, cá e lá cá e lá.

Interessante é o existir sempre em nossa felicidade um Q de triste. Um sorriso aqui, uma despedida lá, um bom momento de folia, bom, mas também aquela dor de cabeça. Um momento feliz, no jardim, e é como se tudo valesse a pena. Tudo. Perfeição... Ou não, rápida, bem breve. O tempo nos retorna... Hora disso, daquilo.

Não consigo deixar de pensar e tumultuar a mente: e o problema parte do Tempo.
Eu penso "devia estar apenas caminhando".

E caminho assim, contemplando, e antes dessas nuvens.
Dia frio, mas claro. Vivificante.
Sempre algo de alegre em nossa tristeza, também.

Dicionário Filosófico - Marx.

Um judeu herético nascido em algum bosque da Alemanha.

Dotado de uma oportunista retórica casuística, em um tom messiânico, entre a louvação da miséria e a idealização romântica de um idealismo subversivo, foi o delírio do proletariado analfabeto industrial do século XIX, e de burgueses decadentes. Ainda hoje, elemento masturbador de 9 entre 10 supostos intelectuais acadêmicos. Efetivamente, ele é o início e o fim e o meio de qualquer trabalho historiográfico, e, como ele próprio profetizava, o fim da História.

Embora tenha vivido no mais completo ócio, sendo bancado por seu escudeiro potencialmente submisso, Engels, passou a vida aos berros declarando a libertação do povo pobre alemão (morrendo confortavelmente, em Londres). Afeito aos chavões, embora fosse nacionalista, racista e divulgador polemista de teorias extremamente questionáveis (a vinda futura e mágica do comunismo), é nele que está firmado - Ou atolado - Todo pensamento orgânico de revolução ou mudança.

Elogiou a pobreza e prometeu mais do que poderia mostrar, como todo bom pai de religião.

Como todo pai de religião, viverá ainda muito tempo, sagrado em sua obscuridade, imutável e perfeito. Devemos a ele muitas ditaduras sanguinárias e o conceito bastante relevante da Mais-valia, para ricos estudantes de Economia, de faculdades públicas ou católicas.

Foi, fora de dúvida, o maior algoz das hipocrisias do Capitalismo. Tão ruim quanto o próprio Capitalismo, fora de dúvida.

Headbanger

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Dizia, escutando Judas Priest, rock'n rolla, ser carniceiro da verdade, anarquista, libertador, machão e destemido... Trabalho, casamento, filhos... Cidadão de bem, gordo, pagador de impostos, pai de dois filhos. Um é metaleiro.
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Tolkien

Existia por detrás daquela mesa um professor polido, centrado, chamado Tolkien

Quando penso em um modelo de escritor, penso em Tolkien. Não por seu arcadismo trágico, ou por seu anglicanismo arraigado, por sua ojeriza ao moderno, seu catolicismo temperado, nem pela escrita em epopeia... Não.

Mas, nas suas cartas encontrei um grande agrimensor de ideais, um espírito imenso, um mundo interior tão vasto quanto o exterior. Lia dois livros, quando decidi começar com essa aventura pela literatura, e um deles era As cartas de J.R.R. Tolkien, publicado por seu filho Christopher. Era então artisticamente, como ainda agora, um desenhista ruim, um baterista não muito bom e artesão (pintura em tecido). Autodidata e amador sempre.

Tolkien desgostava de alegorias, e pontuava com frequencia seu desgosto. Disposição que só compreendi escrevendo, depois. Esses teatros morais demasiados, essas constantes imagens insinuantes, eliminam a seriedade do escrever trágico. Mantinha uma postura crítica consigo mesmo, independência intelectual e acuidade. Diferente de C.S. Lewis, seu oposto semelhante, não tratava de propor suas reticências morais em tudo quanto escrevesse. Embora, também, não fosse um remendão extravagante.

Estava mais preocupado com a coerência intrínseca de suas tramas do que com o indefinível e metafísico "gosto do público". Escrevendo de acordo consigo, com sua própria coerência, sem o quimérico desejo de ser original. Até porque, desejar a originalidade é o primeiro passo para não tê-la.

Em certa carta reclama de não poder escrever. Um hábito contínuo. Mas não é escravo de seus textos, não pensa apenas em seus parágrafos, e, como me parece o mais apropriado, não sonha comer e beber disso. Viver de vender arte para editoras, e esperar o gosto do público para garantir a comida, subverte o homem...

O motivo maior, porém, é outro....

... Como em seu próprio Bilbo, como em seu próprio Condado, quando observamos seu rosto redondo, passivo... A impreensão é de... Grandiosidade.

Alceste

*
Alceste em céu, tão breve, tomaram teu alento.

Teus cabelos d'ouros, resplandem, sobrevoam, nos ventos.

Prometido raiar de Sol, aos bosques, verdes, chamados então. Admète. Cantam os velhos cedros, teu nome, cantam em tom de louvor, pela vida de Alceste. Canção animadora da força, emociona o poder, na terra, e das mãos...

... E a força da virtude por ela, contra a morte, exultou

Triunfou, no mais novo dia, dia célebre, reviver de Alceste.

*


Alcest - Souvenirs D'un Autre Monde.
http://www.youtube.com/watch?v=fm7S6eGDPvY

A filosofia e o humor


Se a beleza salvará o mundo é coisa que não se vê, ainda, mas que o humor refresca a vida é ato cotidiano. Do povo simples ao dândi, do humor estabanado, pornográfico e lugar comum, ao refino comedido, reflexivo, interessante de uma ironia fina.

Em muitos aspectos, por sua metafísica estética, o humor é a melhor ou a mais interessante resposta ao Absurdo. O ato de amar pressupõe ansiedade, o ato de desejar pressupõe carência, o ato de ter pressupõe precaução, mas o ato de rir é isento. O homem, enquanto ri, está completamente satisfeito em si mesmo.

Sendo assim, não posso deixar de pensar no depressivo Tesla superando a melancolia lendo Mark Twain. Eu mesmo já superei a melancolia com o The Devil's Dictionary, de Ambrose Bierce.

Um homem como Nicola Tesla poderia aprender com Tom Sawyer?

Sim, e, de fato, tudo. O humor é uma reação positiva a uma situação negativa, não se exige uma construção, um sentido, ele não é drama; não é pensamento, é sensação. É, instintivamente, uma leve reação de superioridade mediante as coisas, até de si mesmo. O humor é independente e auto-suficiente demais para não aborrecer a vaidade dos espíritos profundos ou pretensiosamente profundos, e estou me incluindo aqui.

Nietzsche foi talvez o primeiro filósofo moderno a perceber a necessidade do humor. Pena não ter sido engraçado, era trágico demais. Sócrates, outrossim, e Voltaire com ele, tiveram outra disposição e mudaram seus mundos.

Enquanto escritor, sempre fui bom com a sátira. Dizem que gente assim é boa com sátira: Ambrose Bierce era um homem de péssimo caráter. De qualquer maneira, se louvo o mérito, não me dedico a ele: Penso também que é preciso ser honesto consigo, e não me parece certo sorrir em um vale de lágrimas. É contraditório.

Sol distante


É o mesmo olhar distante. Infinito.

A mesma depressão de sentidos, ao anoitecer rubro e intenso. Todos os dias. Todos os dias. Todos os dias passando pelo mesmo desfiladeiro de mundos. Lá, atrás, pedra e concreto. Lá; adiante; solidão e conforto. E na encruzilhada os mesmos olhos distantes, beirando o infinito. Nada além.

O mesmo Sol distante.

Tão quão todos os dias, e sempre. Os mesmos rostos, não-feitos, mudos. Passam. Passam. Isolados. Seguem no mesmo decair de mundo, falso, encobertos pelo mesmo Sol...

... Distante. Nada além. Jamais.

O tamanho do mundo

Com o Nobel na estante, iluminado, satisfazendo o ego, repenso todos os passos.

O velho quintal fora enorme, infinito. Imenso, tão quanto os sonhos. Naquele banco antigo sobre a relva, muitas noites em claro e sonhando, desejando aqueles primeiros olhos delicados e sedutores. Contemplando as estrelas, assim como muitas vezes após. Anteriormente, a aprovação no vestibular, ânsia do estudo, a alegria da conquista e esperança no porvir. Ao longe, o futuro - presente - imaculado, perene.

Alongar os braços, esticá-los bem. Um prazer antigo. Poderia agora alargá-los bem mais... E por qual razão? Nenhuma...

Já deixou de existir o velho quintal. Demolido junto ao resto do imóvel. Vendido, muitos anos atrás.

As estrelas ocupando agora outras posições, obedecendo ao movimento contínuo do globo...

Brahms

Tanto é música o chorar contido da garoa, quanto uma gleba de trovadores.

Descem em bicicletas meninos, trotando nas pedras, tocando ligeiro, acompanhados aos risos. Na varanda em frente, serena, põe ao Sol as roupas; a dona de casa. Pássaros voam, batendo asas. Um cão, dois cães se atracam. Passa um carro; impetuoso, bruto. Lançam-se distantes os cães, e as crianças. Com o passar do carro a dona de casa entra, bate a porta, enquanto afastam-se os cães, e retornam as crianças ao jogo... Descendo a ladeira, da rua, de pedras, o mais rapidamente possível.

Lá do interior da casa escuto Brahms. Melancólico. Indelicado, ignorante ao tédio pacato da vizinhança.


Hoje, no fim da tarde, há de chover.

Coisa de leitor

Nas minhas peregrinações literárias, viandante, não sei de outro escritor que me chame tanta atenção hoje quanto o turco Orhan Pamuk. Na estante, contemplando livros, especionando: Fiquei um bom tempo namorando Istambul; pensando; "Compro / não compro".

Mesmo nos piores momentos, e a média é bem baixa, nunca perdi o gosto pela literatura. Leituras. Prefiro em geral ficção, outros mundos, alternativas contra a mera rotina. Embora não leia horas consecutivas, estou sempre por ler umas 5 ou 6 páginas agora, outras tantas depois... Um ou dois livros por vez, por exercício mental e para evitar a monotonia. Vivendo, e vivendo entre os livros...

Mas eu falava em Orhan Pamuk.

Turco, de estilo oriental, crente, um tanto romanesco. Eu não seria sutil como ele jamais, mas, mesmo assim, muito me agradam suas letras. Vê lá o marujo mais cascudo, ele adora uma canção de ninar e um chamego. É tudo bem assim nesse nosso mundo redondo hoje e sempre, os opostos se atraindo e aquela coisa toda. Enfim, não comprei o livro.

Não...

Barganhei em um Sebo e comprei um Victor Hugo e um Hesse. Queria Melville, não tinha.

(...)

O Victor Hugo é melhor do que eu imaginava, e o Hesse bom como sempre, pra mim. Ainda quero o Melville, e é possível que eu ainda compre esse Pamuk.

Dias negros

Folhas ao chão, vento frio, um olhar distante: Eu sou o Sol que adormece

Ficção Transgressional

Quando pergunto a algum amigo meu de rebeldia juvenil, se conhece Feliz Ano Novo ou Mandrake, responde desconhecer. Porém, o mesmo leu e viu Fight Club. Efeitos colaterais da Globalização.

Não que Chuck Palahniuk não seja por merecimento o maior nome e idealizador dessa forma literária chamada por ele de Ficção Transgressional; mas, e é bom saber, não foi o primeiro e seus seguidores hoje não serão os últimos. Exemplos forçados podem ser forjados nos satiristas antigos, ou em alguns autores como Rabelais, Sade ou mesmo Erasmo de Rotterdam.

Pessoalmente, vejo na obra de Octave Mirbeau um exemplo claro e de excelente qualidade de Ficção Transgressional. O jardim dos suplícios, em muito, é mais "belo" do que qualquer outra obra do gênero*. Meridiano de Sangue, do também americano Cormac McCarthy, não seria um caso idêntico?

Aqui temos Rubem Fonseca. Temos o Cobrador contrapondo Tyler Durden. Já me agradaram muito os nuances psicológicos doentes de tipos como Tyler Durden, esses fluxos de consciência de distorção e medo, mas hoje a objetividade mórbida do primeiro me parece mais interessante. E mais, como no mais, criado no Brasil, o Cobrador apresenta humor. É tanto patético quanto genioso, sem verter ao subjetivismo. Ama e odeia, e tanto vítima - de si mesmo, da sociedade - quando culpa. Não seria a Ficção Transgressional mais um remédio amargo do que um jogo pernicioso? Tanto faz... O relevante é o efeito. Catártico.

Vi hoje mesmo um cadáver de cão. Lançado ao chão. Fétido... Impressionante.

Folha ao chão


Do meu promontório, minha cadeira, balanço, em frente ao mundo: Jardim.

Quando em vezes imagino a Natureza (Naturante), penso em uma folha, cálida, lenta, precipitando galga ao chão. Bela imagem. A folha verdejar nascida e nova em lenta morte; rumo ao duro solo. Respiro: Cai o rio sobre o mar, desce o mergulhão, pequenas crias de tartarugas desesperadas pelas águas... Quantas viverão? Um peixe morre e o alimenta. Quantos mais quantos rios não descem ao mar, único, imenso, infinito. Por vezes, sim, rasga a Natureza seu manto e em uma simples visão: Vida, morte, perpetuidade, sempre por renascer (Naturada).

É uma dança. Cuidado; palavras não excedem o mundo. Descrevo o entardecer de um Sol bronze, ele já se foi, resta a sombra. Letras, ideia. Jamais retornará meu Sol bronze, sempre encontrei um novo Sol.

E com minha mão na nuca do velho Arouto, meu mastim, sinto o aroma maravilhoso: Hoje o jantar é picadinho.

Mais um Inverno


Um tanto lúgubre, de um charme diferente, nascer no crepúsculo da vida: O Inverno.

Passam tímidos, homens mulheres, crianças, acolhidos, pelas ruas acinzentadas, caladas. Em um dia tão noite, e noite tão fria.

Mais um passo ao inimigo invencível, mais uma vitória, chegada e partida, no círculo do mundo. Mais um ano. Continuum.

Saudamos os velhos amigos, os novos amigos, tocamos copos, trocamos sorrisos, conversamos. Lembranças de tempos e outros que já não estão enquanto esperançados em possibilidades e causos que virão. Tanto do mesmo.


Enquanto somos. Bem mais do mesmo. Enquanto estamos, iguais, diferentes. Algumas cores permanecem: Nostalgia e esperança reunidas e aconchegadas. Mais um Inverno.

Gota, chá de boldo e Roxanne

Sem chorar de comoção, fervo. Ferve, declina delicada a solução - Chá de boldo de folha amarga. Meu remédio favorito.

Toca Roxanne. Sting. Naquele clima de começo de noite muito estilo rock inglês.

Estou irritado. Detesto esse tempo de chuva tímida, vento frio, "invernidade". Não gosto de Inverno. Podem lembrar-se comovidos do chamego e do chocolate quente. Falam nas vantagens meditabundas do acolhimento. Não gosto do Inverno. Não gosto do frio, não gosto de vantagens meditabundas provenientes do acolhimento, estou sofrendo de Gota e irritado pra caralho.

É uma merda mesmo. "Every breath you take" já foi tão zuada em tudo quanto é filme que eu não aguento mais escutar a música. É como "Killing in the name" para fãs de R.A.M. Banalizou, não dá, só me vem ator de segundo ao pensamento. Fechando a irritação, fiquei sabendo que o Fiuk vai interpretar Raul Seixas em um filme. Tenso.

Queria explodir um Shopping Center. Desses sem cinema. Enfim, estou meio PC Siqueira hoje. Só não crio um canal porque eu não gosto de ser visto. Diz Victor*:


"E ninguém me conhece, e ninguém me conhece porque ninguém me vê, e ninguém me vê porque escolhi ver ao invés de ser visto"




...Ainda Roxanne... etc

Qual é a dessa música,
afinal?

O eu-lírico não tem vergonha?

"Roxanne, you don't have to put on the red light
Roxanne, you don't have to put on the red light
Put on the red light, put on the red light
Put on the red light, put on the red light
Put on the red light, oh"

Ele é algum tipo de humanitarista,
velho excêntrico,
jovem apaixonado, falso pietista?

Mais trabalho menos palavrório, meu velho.
Ou
Menos trabalho mais ócio, meu gajo.

E tu. Roxanne. Vamos ao trabalho, acende a luz vermelha, a noite começa.




* (A natureza, em oposição à graça; Secreções, Excreções e Desatinos, Rubem Fonseca).

A Gota e a Graça Suficiente


Conhecida no período pré-moderno como a doença dos reis; certa dor nas juntas, um mal-estar continuado, tênue, porém doloroso, uma moleza de morte. A Gota.

Uma moléstia toda especial e infernal. E de real, apenas a presença e não a qualidade. Muito comum entre os nobres medievos. Se eram mesmo todos entrecruzados, fazendo não ser tão espantoso encontrar cães com lábios leporinos, por assim dizer, coisa comum é pensar que doenças hereditárias fossem banais em todas as dinastias. A Gota era uma delas.

E nisso tudo penso em Jansenismo, nesse Catolicismo com espírito protestante...

Nada é tão ruim para a Graça Eficaz de um cidadão do que a Gota. Ela não te deita, não te larga. Moça faceira, atordoa as mãos, irrita a mente, desconforta a tranquilidade. É crônica, e pode como uma droga matar aos poucos... Gera Cálculo Renal, agrava quadros de diabetes... Nada de tão romântico como canta o velho Hesse, também um gotoso.


Nessa vida de moléstias e indagações, vivemos no entremeio, tendo um tédio pouco aborrecido como nossa realidade, prazeres enquanto sonhos, dores enquanto multas.

Já dizia o velho Boi:

Ser Necessário: Existem seres que podem ser ou não ser (contingentes), mas nem todos os seres podem ser desnecessários se não o mundo não existiria, logo é preciso que haja um ser que fundamente a existência dos seres contingentes e que não tenha a sua existência fundada em nenhum outro ser.

Tomás de Aquino.


Felizmente a Gota não é contingente. A mesma mão que dói, é a mão que escreve a dor: Ela é o Ser Necessário.

Mudando conceitos

Quando comecei com essa de escrever meu tema favorito era loucura. Paradas psicológicas, divagações quase clínicas da coisa. Tenho cá muito material meu sobre o assunto. Contos, prosas poéticas... Loucuras. Depois de Stendhal e Dostoievski, dando foco em James Joyce, a literatura caminhou firme e forte por esses mundos interiores. Mexidos.

Estava aqui ontem assistindo o novo filme do Nolan, Inception. O filme:

"Um cara com a habilidade de entrar na cabeça dos outros. Boa parte do filme é dentro da cabeça dos outros. E no fim a origem de todas as informações, a personagem central, os sonhos, corredores rotativos, tudo é uma ilusão. Uma espécie de Matrix a quinta potência. A realidade é uma ilusão, e a ilusão uma ilusão maior. Deixamos o filme sem saber se existimos mesmo"

Parece uma obrigação para qualquer trabalho-cabeça atual uma gama de sujeitinhos esquizofrênicos. Na arte comercial, na contra-cultura. Todos são maníacos perturbados. De um modo geral, quase todo mundo escreve hoje em delirantes eu-líricos. Basta um olhar atento... a arte pós-moderna é tão problemática e sufocante quanto a vida real. Pós-moderna.

Sinto falta de ler algo apenas para relaxar, de vez em quando. Não só ao reino da "arte ruim" as tranquilidades da vida são direcionadas. Cenários de rotina, bem observados, pessoas comuns, espirituosas, alegres, ambientes abertos.

Um excelente exemplo: Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida. Uma delícia de texto, principalmente pelas personagens. Autênticas, e ao mesmo tempo plausíveis. estigmatizadas, sim, mais por carência técnica do que por intenção, sim, porém, em tempos de loucos, alguns ajuizados fazem diferença.

O mesmo vale para Conrad, ou Pamuk, hoje. O "psicologismo fraco" de Lya Luft também.

Em suma, não quero hoje enquanto apreciador algo bobo, mas também nada muito profundo (por vezes, abusivo): Quero algo como os trabalhos de Miloš Forman.

O alquimista

Permanecia imerso em suas clavículas, sentenças, banimentos, evocações e rituais codificados. Livros e mestres velhos. Materiais extremos, transmutação do ser específico e ascensão ao Uno. Com suas roupas farroupilhas, seus cabelos revoltos, suas olheiras grossas. O sacrifício da matéria pela purificação da mente, uma vida de evolução interior.

Na porta, os velhos ruídos retornavam mais fortes. Os demônios de Santo Antão, imaginava ele. E resoluto penetrava a Senda, mas quando já encontrava o Santo Guardião, quimeras azuis entraram em seu quarto lacrado, tomaram-no de si. Por espaços caóticos, carregado por mundos de luzes variadas e calafrios, miríades distantes... Enfim as grandes montanhas pretas com picos brancos, enfim o grande castelo de pedra, enfim o reino branco.

[...]


Permanecia o louco aquietado em seu quarto separado, no sanatório. Poder-se-ia afirmar que levava bem: Sem jamais reclamar, sem jamais causar rebeldia, sem jamais alterar seu temperamento.

Alcançara a Pedra Filosofal: Já não estava no mundo, estava em sua paranóia.

Exultor

De vez em quando a vida nos aproxima de algo que lemos, ouvimos, sentimos de imediato, diferente de todo o mais, e, entre a associação surpreendente e a surpresa de consternação, deslumbramos a presença do passado e a vida, tanto nossa, do mundo, quanto dos mortos, em nós.

Com o impacto, permanecemos em uma exultação perseverante. Sendo preciso desmentir ancestral demônio, e a verdade é: Apenas queimando a mão somos capazes de nos reconhecer na natureza do fogo.

E tudo é assim: Titânico. Não é uma completa impossibilidade que o mundo não seja muito além dos restos de uma ancestral guerra entre potestantes protógonas. São nossos mais profundos selváticos e abismais instintos. Reduzidas ao leito de Leto, eternamente famintas.

*E quando um dia um demônio se esgueira em tua mais solitária solidão, e diz: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!".

*Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? E olhando em seus olhos, não compreenderia?

Ele é você.

Saturnália

Melhor forja de espírito é o fogo infernal
- Dizia-me velho Mordecai, ferreiro de meu pai.
Monsenhor Verdamano.

N'algures distantes, pradarias e florestas dos arcaicos seres,
aprendíamos nós, puro-sangue de herança,
crias de Verdamano, como chamavam-nos,
diletos armamentos e suas façanhas.

- E tu, Arturo (e era eu), vê as danças das ninfas?

- Sim, vejo.

- E vê, agora, o Sátiro, ditirâmbico, animando a maçada?

- E novamente: Sim, vejo.

- Também eles vêem tua máscara rubra, ruborizar, e riem dentre eles.


Logo então, recebi da mão de meu ferreiro, ferreiro de meu pai, Monsenhor Verdamano, um arco de espelho - Toma, meu querido - E enquanto uma ninfa derramava de seu cântaro sobre o aro, vi por ele meu reflexo: Eu, príncipe Arturo, Eu, prínceps, eu e minha máscara rubra, véu rubro, tão vermelho e profundo.

Mergulhando meus olhos, despertei. Era o sonho. Mas não quis despertar.

Do Estilo

Estilo é aquilo que emoldura o caráter com a importante de um aro para um espelho. Quão betume trabalhado feito verniz, lustrando ao invés de escurecer. Se o caráter é absoluto, embrutecido ou machucado somente pela vida, é com o estilo que dele são formadas as singularidades ou a ausência delas, e que definirão a importante do sujeito, hoje ou amanhã. Importante é ter estilo. Estilo não se aprende. Ele nasce de nossa originalidade, e originalidade nada é. "Sou impetuoso e desembaraço minha fúria em notas agudas e dramáticas": tenho meu estilo mostrado. Não é meu estilo o ímpeto, ele é do meu caráter, se as notas são agudas ou graves, dependerá daquilo que me aprouver, e aí também não está meu estilo; na união, porém, encontro meu estilo. Variável, embora nem tanto, e impactante, profundo, vivaz, variando em variar.

Clímax é técnica, como imagens, e ideais, discursos, nada disso é estilo. Contradição, afetação, subjetivismo ou complexidade mal-intencionado; são falhas. Ele perpassa todas as circunstâncias e em nenhuma permanece. Ele nos contorna, exala de nossos poros e de nossos ossos, morre muda ou vida em nós.

Mesmo na poesia, quase música, mesmo na retórica didática, quase sem literatura, o estilo perpassa. Está lá, e quanto mais divulgado, mais percebível.

O estilo de meu cão era um teimar submisso todo dele, o de minha vizinha, por sua vez, perturbar; velha macaca, embrutecer a vida. E sobre o estilo de uma estrela, ou de uma amanhecer, não me parece outro se não encantar.

Fazer a barba

É coisa que gosto. Fazer a barba. É um momento só meu. Só eu e a navalha. E o mundo do lado de fora.

Até o advento da higiene estética e da nobreza ociosa, coisa que parece ser aprimorada em Roma, barba em todo o Velho Mundo era símbolo de sabedoria e poder. Excluindo os egipcios por questões climáticas e os nativos da chamada agora América, por motivos étnicos. Até os gregos eram barbudos, os persas, medos, africanos, asiáticos com suas barbichas. Zeus era barbudo. Jesus é barbudo, é ou não é?

O meu natural é um cavanhaque estilo Abraham Lincoln. Crescido demais, estilo Thoreau. Ligando o foda-se, estilo Machado de Assis quarentão. Quando eu for velho, será estilo Xerxes.

Enfim, em um mundo no qual os homens são tão *civilizados*, fazer a barba é como ir ao barbeiro - Banheiros públicos masculinos são agora comércio para fetichismo homossexual (cheios de números de telefones e piadinhas) - É um momento de relaxamento sexual. Nossa sociedade é neurótica, quem não fala em sexo o tempo todo é viadinho. No mundo antigo, é preciso aceitar, o fetiche ou a disposição de uma pessoa, fosse gostar de pênis ou vulva ou os dois, era coisa mais natural (nada é mais natural do que sexo). Efeito colateral das Religiões Tristes (Cristã, Búdica, Islâmica, Judaica).

Enfim... Fazer a barba, com navalha. Com jeito, é mais preciso e bem feito. Prestobarba, de marca ruim, é sôfrego. Agenda lotada, horários, muito pra fazer, Internet, encontros. O tempo nos escraviza por nossa vontade, aperta e sufoca, mas naquela manhã, apenas o Eu, a água corrente, a navalha e o espelho: Você desliga, por um tempo.


Pelo meu gosto, deixaria o Abraham Lincoln... Mas é necessária a civilidade.

Crítica da qualidade

Pensando os tópicos recentes e impressionistas de Miotto e Liz, venho cá, bradar também:

Ser um bom artista por convenção é escrever com beleza. Escrever correto é como os gramáticos escrevem, escrever bem é como jornalistas, filósofos, teólogos e cientistas influentes escrevem, escrever belo tem algum "Q" de algo além. O Belo, a estética, ethos de virtú, do simples ao sublime, apenas em um ponto é concernido: To kalon. O Belo é antes uma sensação complexa do que simplesmente emoção, ímpeto ou naturalmente pensamento. Não serei mais claro, cada um que pense por si a preposição, guardo pra mim.

Qual é o pensamento dos mortos sobre a beleza?

Pelos clássicos, com maior ou menor clareza maior ou menor intenção, a cristalização stendhaliana da realidade. O real tornado sonho, elevado, "encontrado". Homens perfeitos, lugares perfeitos... De Schopenhauer pra trás até Aristóteles.

Pelos românticos em diante, no quebrantamento, na "descida" ao emocional, o escapar do mundo.

Apolíneo e Dionisíaco, maior ou menor, forma e expressão. Um pouco de ambos, de um, do outro. Em âmago, desproporções. Talvez o criar artístico tenha relação com desproporção, embora Darwin dia que o belo é a conformidade da simetria do crescimento.

Arte em suma é algo que dá prazer. Não é um prazer desprovido de juízo, daí o retrato social, de sentimentos, de um ou de muitos, de algo ou de coisas. Daí, a intencionalidade, do transbordar de sensações, transfiguradas, feitas em palavras, vírgulas e pontos.

A fêmea do pavão vê com encanto aquele rabão colorido do macho, todo sapo gosto bem de uma rã com olhos bem grandes e uma sarada barriguinha bege. O pássaro que canta atraindo a fêmea... Lá no fundo dessa alquimia existe o falo erguido e a vulva do Graal. É a necessidade reprodutiva, criativa, por detrás de todas as convenções e anseios sociais orientando as formas, motivação de sexo. Pompeilesco, digamos.


Em suma. Mediante sociocultural análise, só uma é a realidade do critério de qualidade: Perversão camuflada.

Sim, os artistas

Nada tão impressionante, impressionável, malacabo e maldizente, repugnante e cortês do que uma trupe.

E são muitos os cultivadores do abstrato. Cientistas tentando encontrar uma razão nesse enleio de forças voláteis, e filósofos e a tal da verdade, e as mentiras dos teólogos (E seria a Religião mais do que uma arte prepotente?)...

Sempre por brigar as piores guerras pelos motivos mais estúpidos. Gente ébria, bêbada, arrogante, gente de feitio poltrão, sempre e sempre por discordar, destoar. Falta ao artista o orgulho teológico de fazer de sua própria criação algo maior que a vida, falta a acuidade da métrica do geômetra, falta a amplitude do filósofo, em tudo o artista é um tanto canhestro, avesso, parcial.

Ele mostra e é escravizado, pela musa. Encanta sendo encantado. Morre ilusão e vive na morte. Está em tudo e em nada pertence ou é pertencido.

Maior liberdade do que no seio artístico não existe. Gente mais interessante é difícil encontrar, mais personalidade, mais cor, mais textura, e, quiçá, mais vida, ou a vida mais explorada.

De todo tipo de gente, prefiro o tipo artista.

Entidade: Tempestade

Eu sou fogo
.
.
e negro,

vermelho

e morte

e som e fúria;
.

Da perda de textos

Perdi um conjunto de 2 CD’s de textos. Recortes, prosas poéticas e ensaios reprovados, de um modo geral. Lástima foi perder incluso uma tragédia familiar em 3 partes, tendo duas completas.

Naturalmente, e até pela natureza de minha predileção, posso bem reescrever o projeto contendo todos os pontos de conflito, personagens e fluxo lógico, mas infelizmente sinto ter perdido as imagens que um determinado conjunto de circunstâncias irrevogáveis: Meu temperamento na hora da escrita, o tempo ao redor, a palavra escolhi então. Sinto em especial um ou dois capítulos e alguns momentos de fúria.

Talvez para o bem ou o mal, quem sabe? Não podemos deixar de imaginar, com um pessimismo de plebeu “Joguei minha obra máxima fora”. De qualquer maneira, para o prosador meticuloso, embora o mesmo jamais retorne, é possível bem um novo e melhor.

Processo semelhante já me ocorreu, com um dos textos que conservo. Reescrevi milhares de vezes a coisa, até por fim me convencer que o fluxo lógico pecava em grande medida (desgostei de 70% do conjunto). Reiniciei, fui mais honesto comigo, e criei coisa bem mais viva, pra mim.

Perdido está. Já não há. No entanto, é sempre novo o mesmo Sol. Assim diz Apolo, o único deus que acredito talvez existir. Ao menos, dele sou devoto.

Análise historiográfica do dia de hoje

Amanhã será lançado o novo livro de Stephen Hawking, The Grand Design. Hawking, um homem de notoriedade e espanto, tanto por afirmar quanto por negar certos paradigmas. Era aos 20 anos um estudante de capacidade, porém despreocupado, e que viveria um grande choque ao descobrir sofrer de neurodistrofia muscular (Doença que o mataria em 2 anos).

Hoje, aos 68 anos, publica seu mais ambicioso e polêmico livro - O Grande Projeto. Uma teoria totalizante que abarca todas as descobertas da Física atual, uma visão total do Universo, algo muito comum no Universo metrificado até o séculos XIX, porém destruído por Planck e o Quantuum no XX. O ponto mais polêmico porém é outro (mais interessante ao público): Esse inglês deficiente de bom humor acredita ter eliminado a possibilidade de Deus existir, ou no mínimo, ter criado o Universo. Ao menos, é a propaganda da obra que será lançada. Se em Uma breve história do tempo Deus era um geômetro tímido, agora já deixou a oficina e evaporou.

Na Internet debates intermináveis, nos países mais modernos argumentos calóricos. Desde o amável reverendo Albert Mohler chamando o falecido Sagan de infame, ao nosso também querido e alegre Bill Maher ridicularizando a Bíblia.

No Brasil, com sua mídia católica nada-praticante, elite utilitarista e núcleo acadêmico feito de pseudo-marxistas-gnóstico-messiânicos, o mais perfeito silêncio. Uma notinha ali no jornal virtual da Globo, já é o bastante.

Lá fora, mais um filho de Brutus taca o martelo na estátua de Baal.

Das dores

Florear o campo com suor,
lavrar a lágrima,
e o ferro tornado flor.

Sempre em busca,
sempre distantes,
Eu, ao mundo, nós, ao íntimo.

Um recinto abrigo,
conforto e carinho; buscantes?
Únidos, e mesmo assim, perdidos.

A rodada do corvo / Sulfur

Pensamento, natimorto, ao olhar do corvo.

Corvo, em sombra, consorte. Faz-me exalar: cheirar enxofre.

Ele mo contempla. Não por fora, mas de dentro.


.

Thought, stillbirth; "for the sound of crow".

Crow, on midden, it makes me look: Scree.

He contemplates. Not from outside but from within.

sábado, 11 de setembro de 2010

Centro-Oeste

No lado esquerdo da visão periférica, o lasco último de um Sol adormecido, queimando, pintando em tons amarelados o campo árido fino e retirante. Um aquecer tanto acolhedor quanto abrasador, esforça tanto o rigor quanto o anseio de frescor.

Da natureza, em feminil, tipos e modos. Frios olhares de castanha neblina, longos cachos de chuvas torrenciais, a pele morena das noites de Dezembro, a liturgia das sensações preservativas, rios e fontes naturais de sentimento: Sensualismo. Ventos de pensamentos, confusos, avariados, em prol de um refúgio de Sol, sombra de palmeiras. Ver, sentir, amar, chorar.

Assentado a um olhar centro-oeste, na alvorada amiga distinta. Ao longe, naquele breve escuro, um olhar, esguio, incitante.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Nós, os doentes

Dizia-se nos tempos de antanho ser a concretude uma idealização do Abstrato. Pensamos alhures ser o abstrato a idealização do Concreto. Palavrório.

Disse certa feita um fisicista de feitio marrano, "Dom Ramon" (Sir Ramon), em Da materialidade do Abstrato, que estariam associadas as elucubrações da mente com os estados de humor e a rotina emocional do sujeito. Coisas recreativas para um estado enfermo...

Daqui, de nossas dores musculares agudas - Não estamos faz mais de mês sofrendo dos rins? - enferrujando feito ferro velho, com nossos olhos doloridos, com nossos dedos inchados, pés dilacerados... Gostamos muito de diagnosticar. Veja um verso meu, ruim, embora cheio de espírito (feito todo verso ruim):

"- A cura de tudo, por tudo, quem paga?
Cura da morte, do tédio, da dor.

- Não pago. Quem seria, então,
meu credor?"

Os velhos doutores nada sabem, os novos menos, os do futuro terão lá suas próprias mentiras. Nossa cama porém quente deve estar, caso o juízo tenha angariado fundos, de matéria e essência.

Mas, enfermo, cá estou

Cama macia, alma vazia.



"This light and darkness in our chaos join'd"
.
Alexander Pope

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Análise do tempo presente

Amanhã será lançado o novo livro de Stephen Hawking, The Grand Design. Hawking, um homem de notoriedade e espanto, tanto por afirmar quanto por negar certos paradigmas. Era aos 20 anos um estudante de capacidade, porém despreocupado, e que viveria um grande choque ao descobriu sofrer de uma neurodistrofia muscular severa - Doença que o mataria em 2 anos.

Hoje, aos 68 anos, publica seu mais ambicioso e polêmico livro - O Grande Projeto. Uma teoria totalizante que abarca todas as descobertas da Física atual, uma visão total do Universo, algo muito comum no Universo métrico dos séculos XVII, XVIII e XIX, porém destruído por Planck e o Quantuum no século XX. O ponto mais polêmico porém é outro (mais interessante ao público): Esse yankee deficiente de bom humor acredita ter eliminado a possibilidade de Deus existir, ou no mínimo, ter criado o Universo. Ao menos, é a propaganda da obra que será lançada. Se em Uma breve história do tempo Deus era um geômetro tímido, agora já deixou a oficina e evaporou.

Na Internet debates intermináveis, nos países mais modernos argumentos calóricos. Desde o amável reverendo Albert Mohler chamando o falecido Sagan de infame, ao nosso também querido e alegre Bill Maher ridicularizando a Bíblia.

No Brasil, com sua mídia católica nada-praticante, elite utilitarista e núcleo acadêmico feito de pseudo-marxistas-gnóstico-messiânicos, o mais perfeito silêncio. Uma notinha ali no jornal virtual da Globo, já é o bastante.

Lá fora, mais um filho de Brutus taca o martelo na estátua de Baal. Tempos intrigantes...

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Problemas no Sistema (capital-democrático)

A superestrutura direciona o consumo, tanto na força de trabalho, geradora do produto, quanto pelo exercício da grande mídia. Quer dizer, os grandes monopólios são mantidos tanto pelo trabalhador e consumidor "passivo", que trabalha na fábrica e bebe o refrigerante, quanto pelo motivo da falta de liberdade de ação. Produtos artesanais são difíceis de encontrar, mais naturais e menos industrializados, caros, devido tanto pela necessidade de demanda quanto da procura sufocada.

O problema maior é o monopólio. É o monopólio que incita uma mídia cada vez mais intervencionista, um consumo cada vez mais agudo, e um mal-estar social constantemente alargado. A essência do problema é o seguinte:

Vive-se hoje, socialmente, em prol do dinheiro, e dinheiro é status quo. A ideia de ganhar e consumir, capital, direciona as vidas. O dinheiro não é um MEIO, como deveria ser, mas o SENTIDO TAUTOLÓGICO da sociedade capital-democrata.