sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Influência


Acabo de encontrar um autor que sem dúvida não devo esquecer, o húngaro Imre Madách. Soberbo em suas análises, de alegorias existenciais profundas, de uma veia dramática trágica, muito me impressionou e devo lê-lo ainda muitas vezes.

Influências. Escolher modelos é coisa comum quiçá fundamental. Há influências obscuras, aquelas que não vemos, das ideologias reinantes ao nosso redor, nossos medos e desejos velados, objetivos calados. Há influências indiretas, palavras e modos e situações que nos impressionam ao ponto de deixar reticências em nossas visões das coisas. Há influências diretas, aquelas que escolhemos por afeição clara, nutrimos e alardeamos.

Acreditam alguns que são, em profundo, todas destituídas de critérios. Sâo nossas paixões que as definem. Concordo discordando: Nossa razão sem dúvida pinta e contorna todas essas inclinações, alude e venera, nega, ou afirma, ao ponto de negar a origem nula de intenção.

Existe qualquer linha evidente que liga todos os autores que considero, algo que una os velhos e trágicos Hesíodo, Ésquilo, e os dissidentes Stendhal, Voltaire, Camus, Pompéia, em um enleio amalgamado de meus anseios, inclinações, abertas e veladas, aceitar negadas.

Como na carroça imperial do conto búdico, das partes que nada são formando aquilo que é.

E no olhar de uma frase, na manifestação do estilo, rápida empatia, aceitação; e é pronto, já é parte do eu. Influência, fluindo para dentro.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Isaías

Que me interessa a quantidade dos seus sacrifícios? - diz Javé. Estou farto dos holocaustos de carneiros e da gordura de novilhos. Não gosto do sangue de bois, carneiros e cabritos.

Faca, suor, caimbro em depredação e morte.
Pedra de toque e altar, para experção de angústia;
miúda, contrita. Canalha, maldita.
Teu passar só, lento e lívido,
entre essa gente desgraçada, lugar desgraçado;
lagar, de pobres vinhos.

Teu espírito alerta,
e na desgraça clama.
"Não, mas sou".
E de interior, escuro imundo,
escutas tua voz, imunda soturna:

"Sou o demônio, e a própria sombra de demônio,
O Inferno, e o ódio do Inferno.
Ódio, imenso, perpétuo.
Sou tua Sombra, tua carne, tua vida;
sou tua mentira, tua fraqueza, ferida,
sou tua falta de fé,
em ti, desgraçado
e Pecado".

O empobrecido, que não pode oferecer tanto, escolhe madeira que não se apodrece; artífice sábio busca, para gravar uma imagem que não se pode mover

Cão Danado


Entre uma baforada e outra trocava um dedo de prosa com certos amigos do serviço. Ritmo cansado de um dia corrido e cansado. Gente cansada, assuntos cansados.

Só o Diabo sabe o quanto um tabaco é bom pra relaxar. Gosto de tragadas rápidas trocando os dedos, deixando a fumaça sair naturalmente pela boca. Uma leve batidinha no cigarro pra puxar a fumaça, um soprinho suave: A fumaça cai, levantando, fluando pela boca...

Rua suja, gente suja, mundo sujo.

De Deus ao cunilingue, assuntos banais. Gente passando nas ruas. Vida de subúrbio, vida tacanha. Pé na rua, baforada, conversa fiada, baforada, olhar a gente suja, baforada, pé na rua, baforada.

Só o Diabo sabe o quanto é bom uma baforada de tabaco...

Fitando bem esses sujeitos, novatos nessa vida bandida, nessa vida ralada, vida vivida, penso comigo. Sinceramente. Meu velho; estamos no mesmo barco furado. Ás galés!

E baforada, cão danado, e baforada...




Desenho: Man stands alone; Jason Hochman.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Isaías

Que me interessa a quantidade dos seus sacrifícios? - diz Javé. Estou farto dos holocaustos de carneiros e da gordura de novilhos. Não gosto do sangue de bois, carneiros e cabritos.

Oculto, nos sulcos de entranhas.
Oculto, das áridas almas.
Oculto, nas sombras, das noites, abismos,
rochedos. E velo, das trevas, contigo.

Na desolação anelo ao Firmamento.
Nas fúrias, devastação, e nas eras, e punição.
Exaladas pestes aos ventos, por arautos negros contentos
e nos desesperos principados;

"A terra vai secando e murchando,
o mundo inteiro vai se acabando,
os céus e a terra vão se desfazendo".

Pois minha mão esquerda resguarda teu mal,
ser, meramente animal,
de desvio e erro vão.
Danados, iníquos, perversos. Agir carnal.
Maus, servos do Mal, escravos do tempo, estar bestial.

Sou a Justiça e o fim de todas as verdades,
Sou o Início e o intermédio dos medos.
Sou o Fogo Consumidor, e sou contigo.

Sangue, desejo teu sangue.
Puro, deleito minha sede em sacrifício.
Impuro, nego teus martírios, profeta, enquanto suplicas:

"Faca, suor, caimbro em depredação e morte.
Pedra de toque e altar, para experção de angústia;
miúda, contrita. Canalha, maldita.
Meu passar só, lento e lívido,
entre essa gente desgraçada, lugar desgraçado;
lagar, de pobres vinhos".

Teu espírito alerta,
e na desgraça clama.
"Não mais estou, com Ele".
E de seu interior, escuro imundo,
escutas tua voz, imunda soturna:

"Sou o demônio, e a própria sombra de demônio,
O Inferno, e o ódio do Inferno.
Ódio, imenso, perpétuo.
Sou tua Sombra, tua carne, tua vida;
sou tua mentira, tua fraqueza, ferida,
sou tua falta de fé,
em mim, não em ti,
e Pecado".

O empobrecido, que não pode oferecer tanto, escolhe madeira que não se apodrece; artífice sábio busca, para gravar uma imagem que não se pode mover

domingo, 3 de outubro de 2010

transdemocratam - Parte Primeira


Em um primeiro momento, é preciso compreender uma evidência: A Democracia é um valor temporal da atualidade, logo, Universal, cambiado por todas as moedas.

Hugo Chavéz acredita fazer democracia social, os americanos acreditam fazer democracia liberal, os europeus, parlamentarismo democrata. Iranianos? Democracia. Democracia nas Áfricas, democracia aqui, democracia lá... Singapura se diz uma república! a China é um país socialista de mercado, e o Brasil é sem dúvida muito abençoado pela herança das Diretas Já: Voto Obrigatório (Deus, Olorum e Tupã me livrem de ser irônico). Sem dúvida vivemos no melhor dos mundos possíveis, como já dizia Pangloss.

Deixando a ironia, abordemos o tema do longo ensaio, a Democracia. Por início - Genesis. O início: Como nasceu a democracia?

A melhor definição é tardia, digo; o origem primeva do consenso, proletado, entre partes em pé de igualdade, por afirmação: WITAN, ou, no inglês antigo WITENAGEMOT. Wita/wise/sábio + (ge)mot/a meeting/em reunião, reunidos...: Para todos os efeitos, Conselho dos sábios. Reunião entre os principais senhores de guerra, lords, senhores feudais, em preparativo para uma ação de larga escala e em geral bélica. A origem do Parlamento.

Na Ilíada é possível observar um witan dos mortais, e um dos imortais. Entre os mortais, liderado pelo rei Agamemnon de Micenas, filho de Atreu, chefe de todos os aques. Entre os imortais, liderado por Crônida Zeus (Zeus, filho de Cronos, o velho, deus dos deuses).

Remetemos então aos primórdios da espécie, aos grupos de caça, primeiras divisões de trabalho...


Mas, sim, nada disso é propriamente a Democracia. Não a Democracia tal como pensamos ou tentamos fazer. Pensamos em Democracia enquanto um estado de igualdade cívida, direitos iguais para todos em pé de igualdade. Sufrágio Universal, porém iniciado propriamente apenas 50 anos em todo o mundo, e 20 aqui no Brasil. Reclamado nos últimos 200 anos. Louvamos o sonho dos gregos...

Dos gregos? Conhecemos mesmo o pensamento dos gregos (Paidéia)?

Quem era aquele grego que chorava tragédias, ria comédias, debatia política, navegação e filosofia na esquina? Filho tardio de velhas famílias tradicionais e aristocratas decadentes, cada um sem forma para suplantar os outros. Mas diriam talvez: "E Péricles?!" Um, apenas, e símbolo de tal; o bom ditador. Não, nada de igualdade total e alegria plena. Escravidão, elitismo ao extremo, e segregação civil. Uma mulher bêbada, imaginemos, punível pela pena capital! E a homossexualidade, não uma possibilidade, mas vício juvenil...


Concordemos porém. Somos mais igualitários, mesmo com todos os "poréns". Somos mais moles, gordos e lentos também.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Phaedo - O homem abaixo do mundo

Prelúdio

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"Da herança da sublimidade, do cansaço do velho Hércules, mensurado Epiteto, celebrado em tragédias de uma velha Roma. Retomo o Cristo, o de Tiago e Pompéia. Retorno ao campo santo. Retorno a Atanásio, a Aliocha. Regresso ao não temer, pois venci - Ele -, e pelo sangue. Herança de vida na morte, herança de morte pela vida, herança do sangue".

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Dos três tipos de heróis, falarei do Segundo, em primeiro lugar. Escusem o memoralismo rasteiro pois são memórias jovens e suaves. Preliminares de algo maior. Vai um esboço, algo que tímido, tenta ou fala de coisas grandes. Em princípio, recordo de um ancião de minha adolescência, de meus tempos de Teologia, ou Teodicéia...



... Não me ocorreu ainda em minha breve vida conhecer figura mais cândida do que um certo Francisco. Homem de um rosto de ébano, alegre e satisfeito. De uma raríssima modéstia sincera, de aparência amável, e dono de uma sabedoria de pele, de experiência, e que florecia em momentos vários. O mais respeitado dentre os pietistas, tinha algo que faltava a todos os outros (nós), algo único: Sinceridade no olhar. Nos sermões, nos grupos, no rebanho com a esposa e os irmãos, seu olhar resplandecia, confiante na vida, e mais, naquilo além da vida. Cheio de vida, de uma outra vida, de uma certeza íntima, poderosa e tímida, de uma ampla vida.



Suas palavras transpareciam vivacidade, coerência e retidão. Em tudo acerado, moderado, salutar por vezes. Olhá-lo era ver um sacerdote. Um ancião egípcio, sumério, de índole iniciática. Exalava um respeito de ancestralidade mesmo, algo de comum no sangue (exclusivo de velhos frutos, de uma memória recoberta em um número de homens do passado, representantes, representados. Idiossincracia de família tradicional), fazia crer ter nascido milhares de anos atrás. Empobrecido, pai de um filho aluado, em nada fraco, com os seus. (Lembro-me ainda de um conselho poderoso, dirigido a mim em um momento especial, verdade que aplico desde então. Conservo em silêncio e respeito)... Vitória da alma sobre o mundo, seu galardão, sentimentos que ultrapassam o pesar das circunstâncias. Francisco era a exegese do redentor; dentre todos, o mais cristão que vi.



Pode-se vencer o mundo de duas maneiras, mas a nossa jovem Literatura Moderna não ultrapassa o mundo. Pode-se vencê-lo pela morte ou pela vida; em cada extremo, um dos heróis. Pode-se vencê-lo pela Cruz, ou por uma bala em um festim de desejo de liberdade e luta. Pode-se conquistar o mundo e morrer de piedade, em uma cama, ou abandoná-lo miserável e por um exemplo suplantá-lo; eternizar-se, divinizar-se. Francisco era um redentor. Fédon. Um herói da morte.



Desde a ocasião da morte de sua amada, na comemoração de seus 80 anos (um tenebroso AVC, em meio ao encontro de comemoração. Macabra vingança das coisas), jamais retornou ao mesmo espírito. Os mesmos afetos, o mesmo poder, mas sem qualquer disposição. Distante de nós, inteiramente.



Carregava seu Calvário no olhar. Já não era desde mundo; sonhava com o distante. Até o fim, esperado fim, sonhando com ele.



Remido, sim, mas não comigo; jamais o esquecerei.