quarta-feira, 30 de março de 2011

Arremate


É claro que a noite prometia. Estávamos todos animados como nunca. A bebida chegava no pendurado para o nosso grupo grande pronto para o breu. Amigos de longa data reunidos, carne de primeira, cerveja no ponto deixando os ânimos altos, a casa quase que só nossa, música de gosto: era certo uma virada de noite e ressaca satisfeita no Domingo. Diferente e especial sem dúvida, mas, assim e tanto? Quem diria que o pacato Carlo atiraria três vezes à queima-roupa em Waldo, que namorava a namorada de Carlo, como todos sabiam menos ele?

terça-feira, 29 de março de 2011

A Curva


Além das pequenas charnecas, naquela bucólica vila de pesca por detrás da serra pequena, está a Curva.

A Curva é um promontório garboso, dividindo a chamada Praia Grande da Pequena, e que dá na curva da linha férrea. É chamado assim por causa da perspectiva: nas tardes amareladas nos idos de Novembro ou Fevereiro, o sujeito nele vê aquele mar enorme de um lado e do outro um pequeno espaço reduzido pela pretuberância carpada de ferro e pedra lascada. É único. Ver o Globo declinando no próprio eixo - é a sensação em palavras. Alcunha de "Curva" não por isso, mas por causa do trem de minérios mesmo.

Nosso ponto turístico.

Fora das épocas de turismos então é o meu esconderijo particular. Eu não vivo aqui, tenho uma casa de veraneio na localidade, mas como detesto me sentir "turista" fazendo "turisticagem", é no frio que procuro o meu espaço litoral. A água crispada deixa a mente pronta para aprofundar - como olhar o fogo em um acampamento no breu da noite alta - contato com âmagos.

É bom ficar aqui, e meditar.

Quantos namoros, desilusões, alegrias, projetos, sonhos, arrependimentos já passei com pés sobre a rocha soerguida. E em todos os momentos tudo parecia imutável. Tudo parecia perene como o mar crispado de Junho. Mas, veja: sou bem outro, e o meu imutável é bem outro. Meus problemas de agora parecem muito mais justos, e meus projetos bem mais desenvolvidos. É o efeito do efêmero, o som das ondas na grande pedra. É o efeito do tempo, vento que dilata superfícies.

Mesmo a Curva deve olhar seu mar e pensar - Era tão diferente...

Novo Projeto

"All Alone"... Um blog é mais um apito na feira borbulhante da Internet. "Seus amiguinhos comentaram seus textos; lindo, charmoso, como uma multidão de outros subterrâneos simpósios efêmeros, na vastidão silenciosa de nomes que passam". É bonito - assumo - veja, é até louvável, mas como também vê; não é lá tão diferente. Gostamos de pensar fazer diferença, não fazemos tanta diferença, pensamos fazer. É uma certa injustiça necessária (são tantas), e bem o que pode ser. Mas, como também vê; não é lá tão diferente.

Você pode não estar gostando muito do tom... E vai piorar muito, camarada. Convenhamos, ficar aqui lendo texto de blog não é crescimento de vida, ou é? Ou, ou, talvez o amigo leitor seja um respeitável medalhão. Meu camarada, Goethe hoje é tão papa de verme quanto eu serei em algum tempo (pouco), e VOCÊ. Quero dizer; acreditamos importância e tomamos tempos para expressar nossas ideias (geralmente inúteis) e lemos as coisas dos nossos amigos (qualidade). Pois bem, mas como também vê; não é lá tão diferente. É melhor rir, meu camarada, essa merda só faz piorar.

Pessimistas ateus, niilistas, céticos profundos, humorados, condenados, bastardos... Mas você é um sujeito de bem e está aqui? Suportando o cheiro de urina das paredes, pode até se divertir. Meu objetivo? Justificar a completa falta de sentido da vida.

Digamos assim, é um livro de autoprejuízo*.


Compêndio de ensaios mórbidos sobre a nossa tolerância de falhas.




Deus está morto, tudo é permitido".


http://daassemblia.blogspot.com/

segunda-feira, 28 de março de 2011

Jardim Suspenso



De certa maneira, o Natural me comove mais que o Humano. Uma montanha coberta de névoa, um dia de Outono em seu crepúsculo, os pássaros em suas rondas. Elevam meus sentimentos. Mesmo a fúria dos ventos, as longas chuvas de Março. Se não suporto seus extremos, é por caminharem próximos de meus próprios extremos. Há, minhas dores gentis com as tantas flores, e os golens e alquimias da vida nos mundos murados. Gosto de me retirar para o silêncio das coisas, assim, na solitude da mente e na quietude da sinfonia baixa baixa das Cordas.

Subo por pensamentos, e os degraus de musgo de um jardim suspenso...

Caminho e vejo um lago, na superfície lúcida um rosto, parece triste. Gostaria de poder tocá-lo... Distante. Estaria nos vales? Nos campos, abertos? Parece rubro, carmim, parece uma flor de jasmim, algo como um olhar; desviando o olhar. No profundo silêncio das profundidades, no recôndito sigilo por detrás das telas d'água. O reflexo releva sombras que não me atrevo perscrutar. A imagem de uma mão, uma casa, reunião e festas, gestos e cerimônias, Sol e brisas frescas. No pequeno lago, nas alamedas de um Jardim Suspenso.

E os passos falham, na terra remexida, e as flores e plantas parecem subir, com os degraus, enquanto desço...

E é o mundo dos muros. Imediato, empírico. O empurrar dos transeuntes na estação. E vejo mais atentamente a imagem do panfleto: "Viagens dos seus sonhos, conheça o Paraíso, está aqui".

Nas casas de banho

Ficava ali o andarilho, com o corpo em água quente. Falava só quando requisitado. Cordato, olhar um tanto bronco. Mancava ligeiramente, usando farfalhos. Dizia sofrer dos joelhos e tinha certa eloquência no modo de responder perguntas; rápido e preciso sem espaço de adendos. Mesclava o irritável e o cordial. Ora, sossegado na água quente parecia relaxar. Vivia no pão e água, seu passado é um mistério, nada dizendo de si diretamente. Típico.

Vez por outra recebemos andarilhos; e é sempre um causo inexplicável: sem qualquer justificativa o sujeito corriqueiro de trabalho e compromissos, de uma terra para se dizer algo de algo, de um casarão, um barraco, cidade ou campo, por um nada largando tudo vivendo na liberdade dura da peregrinagem vadia. Nunca ladrão, roubando vez por outra; não duvido que talvez tenha matado alguém. Vive-se assim como os animais; a Natureza é ríspida, ou não é? É bom ficar de olho em andarilhos, mesmo em uma pousada litorânea como a minha. A maresia amolece, não aniquila a brutalidade. O andarilho dura alguns dias, meses, e pelo inexplicável de sua existência passa fora...

Vindo de sabe Deus onde, indo pra nem ele sabe...

quarta-feira, 23 de março de 2011

Momentos Austrais




FIM DE VERÃO


"O Outono é uma boa época para solitudes e meditações. Chuvas fortes e rápidas, o tempo ameno, o ritmo lento do início de ano e a normalidade nebulosa; galgando seus ventos gélidos".


CONTRASTES


"Muitos pensam no Outono como período de morte, declínio, folhas amareladas, como se em momento austral não representasse algo pormenorizadamente diferente. Não é assim tão amarelo, pois veja, ou tão cerimonial, decreto fúnebre do calor. No mais das vezes, uma comiseração com tabiques tempestivos".


MEIO-SOL


"É bom caminhar agasalhado, e ver as atividades entrando em seus carris após os longos tempos festivos. As árvores contritas, fechadas meditando, enquanto passam por elas pessoas atarradas e animais soturnos. É a inquietação mediúnica de Inverno - velho instinto - clamando em todos o sentido de guarda. É o ruidoso declinar de galhos e folhas; é o estado de espírito de pernoite".


PERNOITE


Todas as formas se resumem no Outono.
Todos os meios são largos, todos os recônditos; e curvos
Todo reflexo é indireto.


UMBRAL


Abraçados são gentes e formas no escuro latente. Escuridão Universal em diante. Interlúdio e penumbra. E de tudo reserva: Intermédio, Sol distante, contornando, Umbral.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Curto Réquiem

"contra a dureza da vida
tão frágil planta
diante dos que acompanham
as águas fortes e correntes

..."



Na ocasião da morte de meu avô, caminhei com meu pai pelas alamedas do cemitério urbano. Pedras e mármores, as plantas e o Sol fraco no céu. Início de Outono. Lembro reparar em uma velha lápide com alguns rostos orientais; pensar nas muitas gerações asiáticas no início dos tempos migrando migrando ao Leste, pensar nos seus primeiros ancestrais de cultura tipicamente nipônica, pensar nas mulheres, nos possíveis samurais e camponeses, nobres e senhores de feudo. E ali estavam. Talvez, vivendo como memória e sangue em descendentes aqui no mais extremo e distante Oeste por quaisquer ruas e modos, ou corrente findada no mesmo extremo e inimaginável Oeste de seus primevos.

Quando começa ou quando termina. A linha do susto ao último descanso. O tempo tão curto na alegria e longo no entristecer. O sentir, ver, em um inumerável de sensações, no infinito da possibilidade. Vez por outra as engrenagens das coisas acertam nossa subjetividade com mais violência. Do espanto, nasce tudo. Grandes e pequenos fenômenos... Na perda, sentimos o peso do mundo.

Estávamos concentrados. Não seria do agrado de meu avô a vigília dolorida, o sofrimento velado. Ninguém ali poderia compreender o enganoso abandono, mas tão somente nós; eu, meu pai, meu avô. Caminhamos, conversando, e voltando depois para os procedimentos formais.

Não seria outro seu feitio. Tinha cá, no sangue e na memória, enormidade de sua personalidade. Em um olhar, em uma maneira, em um jeito de entender. As pessoas não partem e levam algo de nós /Deixam. Uma pequena esperança que evapora, ou a comoção de muitos e muitos momentos; tudo deixa e vai, passa, marca, e vai. Garimpamos nossa vida, pendemos para um lado, lançamos e tomamos fora.

Da túmula japonesa, não esqueci. Da tarde, do caminhar. Do meu avô absoluto em sua cadeira. Vai tudo conosco. A doença, os conflitos... Sombras e penumbras daquela tarde nublada, e nada mais.



"...
ah, lançam suas flores
no vazio do vento
e desperdiçam energia
que não é delas
e sim das árvores velhas
".

De - Para - Larissa Marques,
(de) floras,
Tão perdida a batalha do vivo.