segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Clube Bel II


Casa de tolerância, de bicho, jogatina, luz vermelha: e monstros. No balcão aquele sujeito com chifres enormes? Agiota de almas. A stripper – cuidado – sua hipnose vai te fazer acordar nu, em uma praia qualquer, sem lembrança alguma de sua vida, e é irreversível. Vejo políticos, religiosos, demônios. A presença demoníaca no plano terreno é plenamente proibida por lei. Eles distorcem a realidade, e quando se concentram podem romper o tecido espírito-material – liberando coisas que estão além da imaginação; o que significa: forças especiais, inquéritos administrativos e mudanças de cargo público. Um Inferno. Motivos todos para prender e manter todos aqui presos ao infinito mofando. Enfim, não me julgue que o mundo não é um lugar simples.

- Se não é o detetive De Sá, honorável guerreiro ungido.

- Ungido? Só se for em banha de porco – eles riem. Eu também rio por dentro. Eu sou um paladino de merda conversando com amigos criminosos.

- Não sei nada sobre o anão, detetive. Nada nada. Só sei morreu e virou assunto de momento.

Não descrevi O Besto ainda. Bem, O Besto é o dono do Bel, e o Bel é o ponto de corrupção mais degenerado de nossa degenerada e corrupta cidade tropical. Ele é um bruxo. Um bruxo de nível Arcanos Superiores. Devo explicar o significado disso? O Clube Bel é uma realidade inteiramente criada por sua vontade. Ninguém aqui dentro está no Rio de Janeiro, ou mesmo no planeta Terra, ou mesmo em seu Universo, amigo leitor.

- Não banque o desentendido comigo, O Besto. Você sabe.

- Paladino, paladino. Está me acusando de alguma coisa? Sou apenas um promotor de eventos – ele me oferece um cálice, de um vinho escuro como as profundidades da angústia. Eu bebo – se por acaso eu soubesse de algo? Uma epifania digamos.

- Pode ser que um bom advogado analise sua petição de revogação do exílio. Ou pode ser que eu esqueça de denunciar seus clientes aqui por todos os seus... muitos crimes hediondos - Um silêncio no salão. Eu estou sentado em frente ao Pródigo. E eu tenho medo? Eu tenho um plano.

Ele acaricia a marca frágil de uma queimadura na mão esquerda – Não pressuponha coragens inexistentes, meu amigo de Liceu.

- A morte do anão vai dispersar problemas pra todos os lados. Sabe disso.

- Sei.

-  O Bel será o alvo fácil. Muita gente entrando em seu mundo, gente estranha. Jornalistas, investigadores honestos...

- ... Venha comigo, paladino. Quero mostrar uma coisa.

- A velha casa.

- Sim. A velha casa.

À velha casa.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Clube Bel


O Clube Bel. Você nunca entrou – nem deve conhecer. Ou ouvido falar.

Na entrada de um antiquário em uma rua sem qualquer atrativo bem na confusão do Centro um mulato em branco, encostado no muro, olha desdenhoso o fluxo da rua. Nas imediações do Lavradio. Ele é um guardião. Morto ou vivo, demônio ou anjo, um guardião é algo que vigia algo. Um batalhão inteiro de soldados bem treinados não fariam nosso amigo de sorriso frouxo suar.

                                                - Cubano, suponho.

           - Tão cubano quanto Fidel - Ele não aceita falsificações, ou mudar de fumo.

     No interior do antiquário panelas, quadros, velas, armários da época do Imperador ou ou mesmo do Rei. Utensílios dos mais frívolos aos olhos descuidados de algum curioso inofensivo bisbilhotando a velha loja; sobressalto, rápido pensamento de deixar o gás aberto em casa e o incauto sai esquecendo pouco depois da loja insossa. Cada utensílio frívolo é um sigilo, um totem e uma pedra de marcação. Armadilhas das mais variadas para inibir e destruir atividades paranormais animosas – e afastar gente simples. No balcão o mesmo velho distraído lendo um livro de Rousseau. Bem antigo. Verdadeiramente, de quando vivo o filósofo: o velho é outro guardião.

                    - Faz tempo que não aparece, paladino.

                     - Bastante.

- Deixar seu companheiro de fora foi sábio. Muito sábio. Aquele meio-elfo não conhece discrição, e está nos devendo. Ou melhor, devendo o patrão.

                     - Ele pagará. Ele sempre paga.

- Claro... – o velho inclina o pequeno espelho largado no balcão, luz vermelha emana dele indicando um inesperado corredor lateral – por ali e bem vindo ao Clube Bel. Cuidado pra não se queimar, detetive.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Fantasia e fuligens IV


Deixei Arturo alegre e perdido do mundo enfiado em cachaça – é inacreditável a quantidade de álcool que ele absorve sem sentir. Metabolismo alienígena aos sensíveis produtos de nossa cultura: vi uma vez comer um cachorro vivo, papo para outra ocasião. Hoje pela manhã as notícias da morte do anão chegaram aos jornais. Horas depois. Em alguns dias o sensacionalismo, as conspirações baratas; católicos fanáticos pregando o extermínio meio-elfo, milagreiros protestantes incinerando e sendo incinerados por xamãs africanos, programas de auditório entrevistando especialistas na geopolítica teuto-anã; toda a confusão jornalística que todos que não são investigadores no caso adoram.

Tenho que resolver o caso. Rápido.

Não existiam marcas identificáveis nele. Nada. Algo o derrubou, sufocou e matou. Foi rápido e sutil. Invisível. Não é um ente errante destruindo coisas ou endemoniado mentes fracas – é um profissional. Um espírito com habilidades furtivas, um demônio, um guerreiro desencarnado, algo forte. Não existem muitos por aí, e eles se reúnem em local específico:

Clube Ba’al. Tudo ficará bem se eu não for morto.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Fantasia e fuligens III


Arturo, o meio-elfo.

Quem vê seu rosto bonachão cantando assim a garçonete, aqui, na birosca mais suja da cidade. Em sua noite de plantão. Não, nem pode imaginar sua curiosa vida.

Sua tez amarelada. Tom meio que bege, pardo. Vê aquela cicatriz? Bem abaixo do nariz? Sim... Ferimento de guerra. Não sei de qual guerra ou em qual século.

Um estilhaço de bomba. Eu complemento.

Eu não tenho interesse em política. Não quero e não vou entrar no âmbito do genocídio elfo, suas razões ou consequências. O que eu sei? Aquele cara ali sentiu na pele. 10 anos atrás quando entrei no departamento, ele já era veterano. “Vim do norte”, ele vai dizer se perguntar. Depois de um tempo nas ruas um sujeito aprende a arte de ler os outros. E sobre o Arturo eu posso te dizer: aquele meio-elfo ali merece uma noite de farra. Brindemos.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Fantasia e fuligens - II



O caso é que eu sou um detetive. Quase dedetizador em um sentido mais exato. Lido com um dos problemas metropolitanos menos convidativos ao debate público: mistificação ilegal.

As cidades crescem. Velhas florestas morrem. Locais sagrados, seres protetores, ritos: a civilização tudo traga. E quando em vez algo regurgita.

Um espírito de riacho louvado por nativos em dado ponto é cercado por muros. Asfalto. E seu rio é drenado. Os sacrifícios deixam de vir.  Ele se transforma. Degenera. O menino-do-pé, ou a moça-de-rio, tomados em barro, gasolina, óleo, produtos tóxicos pelo esgoto. É alterado em elementos porosos, rudes, escuros. Aquele ente simpático vira um monstro espectral causador de distúrbios. Existem muitos por aí. Esgoto, Urbanismo, Infestação... Quase todos conhecem meu rosto.

Veja bem: eles não morrem, são retraídos.

Caras como eu ganham 3 míseros salários mínimos pra isso. Um carro de patrulha, poucos e gastos equipamentos de caça espiritual. E o porquê de aturar um serviço louco desses? É complicado responder.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Fantasia e fuligens




Um anão morto. Na esquina entre as ruas principais para maior espanto e bafafá.

Não digo um anão no sentido sujeito baixo atarraco avaro do tipo caxias confesso. Um anão: criatura setentrional humanoide, meio homo meio roedor, olhos vermelhos nariz longo barba. Sem suas plumas e arrogância não são nem agradáveis de se ver. E na verdade deve ser o primeiro anão que vejo ao vivo.

Anões, naturalmente, são incomuns nos baixos trópicos.

- Você sabe, na Alemanha a cidade subterrânea de Frankfurt é tão grande quanto a cidade de cima. Dizem.

Quem comenta é um parceiro meu, tão setentrional quanto, embora mais comum. O meio-elfo Anturo. Nunca vou me acostumar com sua personalidade. É meu amigo, digo, confio mais nele que em qualquer outro neste nosso ramo de serviço público. Ele é meio-elfo como qualquer meio-elfo por aí, e como qualquer elfo devia ser.

- Planeta Terra chamando, de Sá.

- ... Não acordei bem hoje.

Quando digo que não acordei bem quero dizer: acordei meditativo. E racionalizar, pode apostar, não é a coisa certa em um serviço como o nosso.

- Vamos aos trabalhos.

- Pois bem, pois bem. Meu amigo de raízes aqui não morreu de morte natural. Ou não estaríamos olhando seu pequeno cadáver – o humor de Anturo é plenamente inadequado como se vê – As marcas plasmáticas, estamos lidando com Urbanismo aqui?

- Pouco tempo pra ele dar as caras outra vez.

- Urbanismo, Esgoto, ou algum animismo novo. Antigamente um espírito furioso e confuso do século anterior era o maior dos nossos problemas. Agora? Nem mesmo sei de quais profundezas saem esses... Fenômenos. Fica difícil trabalhar assim.

- Reclama com a procuradoria.

- Estão pouco se lixando pra nós.  Aliás, quando foi que o mundo fez sentido?

Estou de saco cheio. Do mundo, do meu serviço, da comida congelada intragável de toda noite. O caso do anão morto vai dar trabalho. Um anão? Aqui? Ninguém pode negar a globalização. O carro velho cruza as ruas; o dia amanhece; deixo Arturo e sigo pra casa.

Quando você para e pensa percebe que a vida não faz sentido mesmo.

Do meu apartamento a multidão que passa lá embaixo. Criaturas florestais, homens, mulheres, coisas mais. O canivete. Meu canivete...

No céu nuvens giram ao movimentar do canivete. O canivete pode mover o ar, descolar ventos, criar tempestades. Inundar e destruir. O último fragmento de uma ordem de paladinos monitorando as ruas sujas de uma cidade qualquer. Nada faz sentido mesmo.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Monstros marinhos




Quando se mora sozinho o barulho da tv é uma quebra do silêncio. Quase um diálogo. A água bate na cara, relaxa os músculos, música na cabeça. O mundo diminui: ferve o bule, sorverá o café, chuva lá fora, calha guia, guaraná sujo de caju  Preciso comprar uma banheira. Preciso ler os cadernos. Alguém lá fora precisa mesmo de um guarda-chuva, a vida corre sem rumo em uma noite de chuva. A chuva, lava o mundo. A toalha seca o cabelo. No espelho: o reflexo. Um pensamento. É-se o rosto da rua, ou um rosto lavado?



segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Partículas em suspensão


Rosto inchado e a sensação típica de degringolo de vida. 21:59 da noite a página continua em branco. Continua em branco. Descaso do mundo, Universo em sono, cada partícula suspensa no ar. Olhar vazio num mar branco de pensamentos nulos. Cada olhar ao teto com o sentimento nulo. Cada tamborilar dos dedos um som qualquer fortuito. A mente divaga. Divaga sem ideias. Grande salão frio de mármore sem ideias. 22:14 sem ideias. Quem é nosso amigo? Advogado, escritor, jornalista, ou professor. Um profissional liberal. Um adicto da angústia criativa. Ser dado de informação ao longo de séculos em discretos verbetes, salvar a vida de um culpado, os ursos do Canadá e fazer a melhor análise de Roma para 22 alunos na manhã fria de chuva. Ele hesita. Tempo passa e ele larga. Até o fim do dia estará dormindo. 00:01, e seu mundo escureceu

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Exercício I


Sacha tinha o mais belo par de olhos tom lápis-lazúli encrustados por um nariz aquilino que eu já vi em toda a minha vida. Sacha Yvusiy. Origem e nome insólitos; seus antepassados migraram de Sião a um abismo nórdico chamado “tar-tosdelasque” ou coisa do gênero; seus pais, primos de primeiro grau, bolcheviques e radicais, escolheram seu nome russo. O tipo de conversa que a paquera prolongada ao além do fugaz proporciona; e ela tinha muito o que dizer. Talmud, rebanhos, longos invernos. Batia sempre em uma tecla e a fundamental em nosso improvável caso: O importante é que a judia-norueguesa-russa se sentia rodeada demais de Velho Mundo.

Os bolcheviques endinheirados financiaram a viagem ao Novo Mundo de sua rebenta.
Eu só sabia dos olhos lápis-lazúli.

Uma loirinha sensual falando um inglês carregadíssimo, palavras incompreensíveis, “juchis” e “yavis”, “caperenha” e cururu. A nacionalidade de um turista determina seu comportamento, e é fato. Pessoas de países frios agem de maneira tremendamente simpática. Desconheço o motivo, mas afirmo a razão: seria no intuito de refutar a fama de água gelada nas veias e melancolia dostoievskiana? Só sei que não conheci nenhum antipático. Ela era típica. Jovial e comunicativa em seu inglês sofrível, tão ruim quanto o meu. No fim do show pouco importava sua “tar-deslisca” ou meu bairro de subúrbio, sim seus beijos provocantes e mordidas.

Falava muito em sua empresa familiar e na casa de campo – eles não eram socialistas? – suas viagens anteriores, e as belezas do Rio, e as belezas de “tur-gaslata”. Do turista do safari em favelas ao turista de Girl de Ipanema e Carmem Miranda eu sei que já escutei tudo isso. Não sou tipo papa-gringo. Mas, ela era diferente, algo nela, um detalhe irresistível: o mais belo par de olhos tom lápis-lazúli encrustados por um nariz aquilino. Queria que eu voltasse com ela aos ventos frios do Norte.

(...)

Foi passando por uma padaria que eu vi na TV. Algumas quadras antes. Seu rosto no programa policial: latrocínio. Minha reação foi vomitar. Três semanas em frio celibato, melancolia, gosto ruim na boca, autoxenofobia e embriaguez. O tempo passa e o sentimento muda; relembro vez por outra o tom lápis-azúli. O mar de gente continua de todos os cantos, contando tudo, em todos os idiomas, mas na aquarela de sangue e frutas e brilho e noite algumas pessoas ficam na memória. As cinzas da Quarta.



OBS:
Método Dom-Ramoniano: Procure no aleatório da Wikipédia por 5 temas. Abra o Word. Escreva sobre os 5 em uma só narrativa.

:AQUI:

1. Trondeláguia do Sul (local de origem da protagonista)
2. Endogamia (relação de seus pais)
3. Juan Martínez Montañés (amor e morte, e olhar, são temas não-religiosos frequentes em Montañés)
4. Cururu (citado)
5. Jebuseus (origem étnica)