sábado, 9 de abril de 2011

Clinâmen


Os aclives de sono e fadiga estereografados no olhar turvo declinando em um mangue memorial. Você passa pelos carros e não sente os transeuntes. A rua toma a direita e a esquerda e a pura vontade cega empurra mente e pernas.

A noite faz um dia artificial. É a hora da bruxa, como dizemos. Das duas até a casa das quatro da madrugada. Certo, preciso, ilusório. A noite é mesmo um outro lugar em um mesmo lugar. Dizem que por alguns becos e desolações, em grandes cidades, deixam o turno do dia para os respeitáveis, o pai de família, trabalhador, estudante normal; serviços de função; encarregando a ronda noturna de todo os indesejáveis na primeira categoria. Serviços do vício e da neurose. Do risco da aventura e da suspeita da morte.

É a troca de jurisdição, o político pelo inexorável.

É um mundo diferente. Um ambiente inóspito e regado de todo tipo. Legistas, frentistas, taxistas, bandidos, milicianos, prostitutas, moços namoradeiros, pessoas em noite de lazer, assassinos, todo um arsenal móvel da mais pura pólvora. Um mundo barulhento e cheio de silêncios, brutal e por vezes lúdico. Casas de show e boca de fumo, senhoras orando nos montes e o sátiros declinados nas ruas. A vida outra.

Caminhando. Mãos nos bolsos, noite fria. Nas vitrinas, na verdade, vitrines, as comidas, as roupas, as pessoas nas cadeiras, entre grutas escuras. A vida em seu mais metódico ritmo: e só pensamos em ideias simples. Uma casaca, sopa, o cheiro do café. E o Natural; sempre imenso; em sua hora de agonia, sua distância, seus humores de chuva, em contrapeso com nossas pequenas dificuldades, questões, anseios e privações, nossas lutas, nossas reticências, nossos ditos, nossos desencontros; arco, contrapeso e força inversa de algo tão efêmero, contra potências enormes... Nós nos encontramos, em nossas pequenas alegrias, e de casacas e sopas, encontros casuais, continuamos enfrentando o medo do escuro: os obscuros de nossa mente, a quietude de tudo que nos espera no Universo, nossas próprias mazelas. Conscientes ou não, sempre marchando, contra a náusea de uns e o absurdo de outros, sempre contra a incompreensível derrota. Morte. Contra ela nossas vidas.

A hora de distância estrelar, quando a imensidade fundamental das trevas releva o mais profundo indito. Quando o homem caminha por um mundo rebaixado, declinando também em seus passos por uma estrada de fantasmas e adágios.

Estrelas no alto,
e o neon cá baixo.

Caminhando, caminhando...

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