sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Phaedo - O homem abaixo do mundo

Prelúdio

::

"Da herança da sublimidade, do cansaço do velho Hércules, mensurado Epiteto, celebrado em tragédias de uma velha Roma. Retomo o Cristo, o de Tiago e Pompéia. Retorno ao campo santo. Retorno a Atanásio, a Aliocha. Regresso ao não temer, pois venci - Ele -, e pelo sangue. Herança de vida na morte, herança de morte pela vida, herança do sangue".

::



Dos três tipos de heróis, falarei do Segundo, em primeiro lugar. Escusem o memoralismo rasteiro pois são memórias jovens e suaves. Preliminares de algo maior. Vai um esboço, algo que tímido, tenta ou fala de coisas grandes. Em princípio, recordo de um ancião de minha adolescência, de meus tempos de Teologia, ou Teodicéia...



... Não me ocorreu ainda em minha breve vida conhecer figura mais cândida do que um certo Francisco. Homem de um rosto de ébano, alegre e satisfeito. De uma raríssima modéstia sincera, de aparência amável, e dono de uma sabedoria de pele, de experiência, e que florecia em momentos vários. O mais respeitado dentre os pietistas, tinha algo que faltava a todos os outros (nós), algo único: Sinceridade no olhar. Nos sermões, nos grupos, no rebanho com a esposa e os irmãos, seu olhar resplandecia, confiante na vida, e mais, naquilo além da vida. Cheio de vida, de uma outra vida, de uma certeza íntima, poderosa e tímida, de uma ampla vida.



Suas palavras transpareciam vivacidade, coerência e retidão. Em tudo acerado, moderado, salutar por vezes. Olhá-lo era ver um sacerdote. Um ancião egípcio, sumério, de índole iniciática. Exalava um respeito de ancestralidade mesmo, algo de comum no sangue (exclusivo de velhos frutos, de uma memória recoberta em um número de homens do passado, representantes, representados. Idiossincracia de família tradicional), fazia crer ter nascido milhares de anos atrás. Empobrecido, pai de um filho aluado, em nada fraco, com os seus. (Lembro-me ainda de um conselho poderoso, dirigido a mim em um momento especial, verdade que aplico desde então. Conservo em silêncio e respeito)... Vitória da alma sobre o mundo, seu galardão, sentimentos que ultrapassam o pesar das circunstâncias. Francisco era a exegese do redentor; dentre todos, o mais cristão que vi.



Pode-se vencer o mundo de duas maneiras, mas a nossa jovem Literatura Moderna não ultrapassa o mundo. Pode-se vencê-lo pela morte ou pela vida; em cada extremo, um dos heróis. Pode-se vencê-lo pela Cruz, ou por uma bala em um festim de desejo de liberdade e luta. Pode-se conquistar o mundo e morrer de piedade, em uma cama, ou abandoná-lo miserável e por um exemplo suplantá-lo; eternizar-se, divinizar-se. Francisco era um redentor. Fédon. Um herói da morte.



Desde a ocasião da morte de sua amada, na comemoração de seus 80 anos (um tenebroso AVC, em meio ao encontro de comemoração. Macabra vingança das coisas), jamais retornou ao mesmo espírito. Os mesmos afetos, o mesmo poder, mas sem qualquer disposição. Distante de nós, inteiramente.



Carregava seu Calvário no olhar. Já não era desde mundo; sonhava com o distante. Até o fim, esperado fim, sonhando com ele.



Remido, sim, mas não comigo; jamais o esquecerei.

Nenhum comentário: