quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Lento, animal amargo

Lento, animal amargo,
que sou, tenho sido,
amargo desde o nó de poeira e água e vento,
que nas primevas dos homens orava ao Senhor.

Amargo como esses minerais amargos,
que nas noites de aguda solidão -
Sendo única e a mesma solidão -
trepam por minha garganta,
e, como crostas silenciosas,
asfixiam, matam, ressuscitam.

Amargo como essa voz amarga
pré-natal, pré-substancial, que diz:
nossa palavra, outrora nosso caminho,
que morreu a nossa morte,
e que em todo momento redescobrimos.

Amargo desde dentro,
desde não ser,
— minha pele, minha língua —
desde a primeva vida,
anúncio, profecia.

Lento desde séculos,
remoto — nada há detrás —,
Longínquo, distante, desconhecido.

Lento, amargo animal
que sou, que tenho sido.

(Jaime Sabines)

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