segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Fantasia e fuligens




Um anão morto. Na esquina entre as ruas principais para maior espanto e bafafá.

Não digo um anão no sentido sujeito baixo atarraco avaro do tipo caxias confesso. Um anão: criatura setentrional humanoide, meio homo meio roedor, olhos vermelhos nariz longo barba. Sem suas plumas e arrogância não são nem agradáveis de se ver. E na verdade deve ser o primeiro anão que vejo ao vivo.

Anões, naturalmente, são incomuns nos baixos trópicos.

- Você sabe, na Alemanha a cidade subterrânea de Frankfurt é tão grande quanto a cidade de cima. Dizem.

Quem comenta é um parceiro meu, tão setentrional quanto, embora mais comum. O meio-elfo Anturo. Nunca vou me acostumar com sua personalidade. É meu amigo, digo, confio mais nele que em qualquer outro neste nosso ramo de serviço público. Ele é meio-elfo como qualquer meio-elfo por aí, e como qualquer elfo devia ser.

- Planeta Terra chamando, de Sá.

- ... Não acordei bem hoje.

Quando digo que não acordei bem quero dizer: acordei meditativo. E racionalizar, pode apostar, não é a coisa certa em um serviço como o nosso.

- Vamos aos trabalhos.

- Pois bem, pois bem. Meu amigo de raízes aqui não morreu de morte natural. Ou não estaríamos olhando seu pequeno cadáver – o humor de Anturo é plenamente inadequado como se vê – As marcas plasmáticas, estamos lidando com Urbanismo aqui?

- Pouco tempo pra ele dar as caras outra vez.

- Urbanismo, Esgoto, ou algum animismo novo. Antigamente um espírito furioso e confuso do século anterior era o maior dos nossos problemas. Agora? Nem mesmo sei de quais profundezas saem esses... Fenômenos. Fica difícil trabalhar assim.

- Reclama com a procuradoria.

- Estão pouco se lixando pra nós.  Aliás, quando foi que o mundo fez sentido?

Estou de saco cheio. Do mundo, do meu serviço, da comida congelada intragável de toda noite. O caso do anão morto vai dar trabalho. Um anão? Aqui? Ninguém pode negar a globalização. O carro velho cruza as ruas; o dia amanhece; deixo Arturo e sigo pra casa.

Quando você para e pensa percebe que a vida não faz sentido mesmo.

Do meu apartamento a multidão que passa lá embaixo. Criaturas florestais, homens, mulheres, coisas mais. O canivete. Meu canivete...

No céu nuvens giram ao movimentar do canivete. O canivete pode mover o ar, descolar ventos, criar tempestades. Inundar e destruir. O último fragmento de uma ordem de paladinos monitorando as ruas sujas de uma cidade qualquer. Nada faz sentido mesmo.

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