terça-feira, 29 de março de 2011

A Curva


Além das pequenas charnecas, naquela bucólica vila de pesca por detrás da serra pequena, está a Curva.

A Curva é um promontório garboso, dividindo a chamada Praia Grande da Pequena, e que dá na curva da linha férrea. É chamado assim por causa da perspectiva: nas tardes amareladas nos idos de Novembro ou Fevereiro, o sujeito nele vê aquele mar enorme de um lado e do outro um pequeno espaço reduzido pela pretuberância carpada de ferro e pedra lascada. É único. Ver o Globo declinando no próprio eixo - é a sensação em palavras. Alcunha de "Curva" não por isso, mas por causa do trem de minérios mesmo.

Nosso ponto turístico.

Fora das épocas de turismos então é o meu esconderijo particular. Eu não vivo aqui, tenho uma casa de veraneio na localidade, mas como detesto me sentir "turista" fazendo "turisticagem", é no frio que procuro o meu espaço litoral. A água crispada deixa a mente pronta para aprofundar - como olhar o fogo em um acampamento no breu da noite alta - contato com âmagos.

É bom ficar aqui, e meditar.

Quantos namoros, desilusões, alegrias, projetos, sonhos, arrependimentos já passei com pés sobre a rocha soerguida. E em todos os momentos tudo parecia imutável. Tudo parecia perene como o mar crispado de Junho. Mas, veja: sou bem outro, e o meu imutável é bem outro. Meus problemas de agora parecem muito mais justos, e meus projetos bem mais desenvolvidos. É o efeito do efêmero, o som das ondas na grande pedra. É o efeito do tempo, vento que dilata superfícies.

Mesmo a Curva deve olhar seu mar e pensar - Era tão diferente...

2 comentários:

ANTONIO CARLOS GOMES PINTO disse...

Belo , belo...
de início a descrição, sei lá pq, reportou Stendhal falando da cidadezinha em "O vermelho e o negro"...Solitude, realmente, passa um ar de alguém que viveu várias...e foi encontrando seu centro...na curva ...rs...bonito texto.

abs

San Ramon disse...

Realmente. Gosto muito dev Stendhal.


Grato.