sábado, 17 de abril de 2010

Meu amigo Santanna

Trocávamos dilemas e vantagens nos bares daqueles tempos futuristas cheios de profecias. Eu, com meus cabelos crespos e rebeldes, prescrutando-o com meus olhos negros e arrogantes, degustando chocolate e smirnoff. Eu e meu gosto pela vodka! Eu e meu amigo Santanna!

Enquanto os socialistas amutinavam uns com os outros, como os ratos e vermes que são, e os sensualistas viviam naquele lugar, santo lugar, suas promiscuidades temporais, eu e meu amigo Santanna mergulhávamos em inquietantes debates sobre a vida, o Universo e seu Duplo. Quando me libertava de todas aquelas vaidades sexuais, e encontrava um tempo para a razão, era com Santanna o meu parecer.

Por vezes, todas aquelas formas femininas me desgastavam. Sentia-me cansado, por assim dizer, dessa ansiedade do êxtase sexual, muito mais do constrangimento e estupidez de dois corpos saciados, colados. Das alturas e dos mistérios, jamais.

Eu era então Dom Ramon. O deísta, então o estóico puro, integral. O Sidius, meu ego negro, naquela época, apenas uma neblina periódica.

... Mas Santanna... Sempre disposto, pronto para o debate, meu amigo e confidente, meu leal irmão. Com Santanna eu extrapolava minhas inquietações. Santanna era o irônico, e jocoso, aquele que aborrecia os estúpidos, aquele que só observava a vantagem, o mérito ou a comédia. E não precisava de muito, bastava pensar nele, bastava lembrar dele, e ele aparecia. Santanna, meu amigo Santanna.

Então, um belo dia, ele desapareceu. Com a minha queda, Santanna também se foi. Eu não o encontrava, mas sabia, mesmo sem comunicação: Era o adeus, a despedida. A ironia já não bastava, o fracasso, a queda, a vergonha, a incapacidade de realizar aqueles projetos, todos esses fatores cresceram... Eu via Sidius, e ele ria... Santanna... Meu amigo Santanna...

... E, pela manhã, com a cabeça inchada, compreendi: Santanna está morto, você o matou. Estourou-lhe os tímpanos com seus romantismos, secou tudo que ele era, diminui toda a sua essencial, por prazer, fuga, medo, e ele morreu.

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