sábado, 10 de abril de 2010

O desbravador do campo de centeio

O maior mérito de O apanhador no campo de centeio talvez seja o fato do texto tratar, de um modo jovial e pouco clássico, de questões complexas da juventude: A indefinição do papel social do jovem, a sexualidade, a amizade, a relação com os pais, com a religião, com a escola.

Contava então com 32 anos, Jerome David Salinger, quando publicou The Catcher in the Rye (na tradução brasileira, o nome exato). Filho de Manhattan, escritor experiente de periódicos, afeiçoado a contos e novelas, já com certo prestígio nos núcleos literários. Mitificado logo então pela notoriedade imediata alcançada com a publicação da obra, seu único romance. Sucesso de público e crítica, aclamado por gerações de jovens que o leram e ainda leem no decorrer das décadas consecutivas. Texto que foi descrito como polêmico, ou enigmático, assim como seu autor, mas que de nenhuma maneira demonstrou algum entusiasmo com o sucesso, e seria até possível afirmar, como algo que buscou evitar toda a vida. Até sua morte, em 27 de Janeiro de 2010, tendo se afastado lentamente das publicações após o sucesso do seu livro, para findar a vida em escolhido e desejado anonimato.

J.D. Salinger, embora fosse ele próprio um homem obscuro e retraído, parte orgânica daquela angústia poética muito característica da primeira metade do século XX (Traço fundamental do modernismo, dos traços que podem ser visto com muita propriedade na poesia de Rilke; angústia, intranquilidade interior manifesta, reflexo de um tempo de guerras e ruína), já em O apanhador revela um espírito vanguardista independente; uma outra maneira de lidar com a guerra e a ruína, tão característica da segunda metade do século XX (geração beat, rock in roll, metal, contra-cultura; agressividade manifesta, meio que selvática, desregrada e escapista).

Na primeira metade do século XX a guerra é física e o repúdio é interiorizado. Os horrores da Primeira e da Segunda Guerra mundial, a Grande Depressão, as questões nacionalistas, os embates de afirmações ideológicas na Europa e em todo o resto do mundo, por seu reflexo. Com a Guerra Fria, o cenário muda e a expressão estética o acompanha, a tortura é interiorizada, e a reação exteriorizada. Teorias de conspirações, educação orientadora e formalista, a luta de ideologias gigantes e opostas, e gerações cansadas de toda a guerra e toda a ruína, e todo o sofrer contido e calado. Caulfield representa a mudança, de um modo tangível.

Holden Caulfield já não é apenas um homem angustiado formalmente inquiridor, tão pouco um jovem romântico, ele é um anti-herói. Sarcástico, cínico, dono de um sentido crítico aberto e agressivo ao seu modo. Tem algo de debochado, de depravado, de subversivo, de despreocupado, de anárquico e autocrata - Elementos suficientes para alisar a vaidade de adolescentes e pessoas mais excêntricas. Ele encanta pelas suas imperfeições, exageros e digressões vãs. Exala um "desejo de incorreção", Muito daquilo que estava naqueles pré-adolescentes e adolescentes que viveram a sombra do Macartismo. O Colégio Pensey, do qual Caulfield foi expulso, entenda, é um pouco da própria América de Salinger, ou do próprio mundo.

Existe também uma certa mensagem messiânica no teor da obra, algo como um infatilismo mesclado a um desejo de liberdade. Caulfield deseja "salvar as crianças":

"Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa q eu queria fazer. Sei que é maluquice".

Holden Caulfield, de Salinger, é uma crítica ao formalismo da formação educacional e infantil de sua época. O autor, ali, nega o autoritarismo por um estado livre. Nega o ditador, e afirma o apanhador, nega a realidade crua, massificante, de concreto e velhacaria, de adultos, preferindo as brisas de um campo de centeio, de sonhadores e crianças.

Um comentário:

Celamar Maione disse...

O que é liberdade ?
Parece que é meio o que todos desejam porém não sabem o que fazer , nem o que é.

bj