sábado, 28 de maio de 2011

Os servos


Perdoo nos cães comportamentos que não aceitaria nas pessoas. É uma das visões de nossa fauna típica que não deixo de notar, e até com gosto. Meu pequeno bairro de poucas e velhas ruas, com velhas famílias, já foi apenas mais uma estância entre a Fazendo de Santa Cruz - hoje um estabelecimento militar no qual cometi a estupidez de quebrar uma centenária maçaneta - e o Rio propriamente dito. Campo Grande era, então, um campo grande. Um jardim, entre a incontinência do Imperador Epicurista e a Corte burocrática. O filho, o Estóico, preferia os ares europeus da Serra.

Éramos antes campesinos, antes proletariado ruralista, de bens de serviço, e somos agora quase pequenos burgueses. A presença rural veio diminuindo conforte a então capital e cidade turística de referência veio chegando. A interligação dos subúrbios formou a grande aldeia de pedras que o Novo Mundo forma em imitação ao Velho: é possível hoje ir da Terra do Fogo ao Alaska pisando asfalto.

Vi vaqueiros manejando gado por ruas, hoje, não existem. Nem mesmo carroças. Tudo são carros e bicicletas: e somos praticamente asiáticos por elas. Os pombos, os ratos - e parecem ter desaparecido - os gatos; todas as pequenas criaturas que fizeram do humano seu ambiente, vagam e vagam. E também os cães.

O servilismo do cão é enganoso. Pensa-se nele como covarde e submisso. Engano. Analisando o comportamento canino é evidente uma certa ética de caçador, um porte marcial. Desconfiados de seus territórios, atentos, parecem anelar com perfeição o ceticismo com a credulidade mais devota. Sempre se arriscam por um benefício, e sabem suplantar as dificuldades individuais por uma necessidade coletiva. É uma natureza de sentimento que a repugnância de nossas relações ordinárias não reconhece. Inveja, hipocrisia, ostentação, são vulgaridades que deixam de existir em um hospital de campanha.

Eles vagam. Servos, aquartelados, ou vadios em bandos mercenários. Nada podem ensinar. São os lobos fracos. Mas em algo nos superam: Não são hipócritas em sua solidariedade.

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