domingo, 12 de setembro de 2010

A Candelária e o entorno

A Candelária é o coração do Rio. Retoma em decadência, selvageria e altura o nosso trágico espírito. Não que me agrade esse goticismo eclético, mais gótico, essas janelas mal conservadas, essa pretensão tão tola próxima ao rigor do romano prédio do Santander. Não, não me agrada, mas não quero falar da Candelária.

O centro do Rio como um todo sempre me causou impressões profundas. Eu sou carioca, nascido no maior hospital de emergência da América Latina, localizado no entorno da Praça da República, o Hospital Municipal Souza Aguiar. Retornar ao centro, porém, nunca é retornar, é sempre encontrar um lugar sensivelmente diferente. Psicologicamente, vejo o viver como uma redução do mundo. Quão impressionado fiquei na primeira vez que vi esses gigantescos prédios bancários, ou o velho relógio da Central do Brasil! Hoje não vejo essa grandiosidade, vejo sim uma miscelânea de formas, entre prédios centenários, ruína de urbanismo, mata abundante e a modernidade teimosa em vingar. Tem sua beleza, mas é preciso acostumar-se a seu feitio. Estou acostumado ao seu feitio.

Peguei toda a Presidente Vargas até a Rio Branco, seguindo por elas, todos os melhores pontos do Rio. Melhores pontos para objetivos elevados. Passando por esse mundo de prédios, carros, e gentes, não se pode desconsiderar a alta individualidade do carioca. Somos todos parecidos, mas sim no porte e não no modo. Entre jovens, mendigos tagarelas e sujeitos exóticos vinham dois empresários – Terno, gravata, a coisa toda – conversando amistosamente e no movimento só pude escutar “E ela me deu a buceta, ué!”. Ri.

Na altura do Teatro Municipal um trompetista gozador, de uma de suas janelas, tocava a música tema do Pica-Pau aos transeuntes; o traquina tocava bem. Ao lado do Teatro está o Museu de Belas Artes, parei, perguntei alguma coisa ao porteiro. Conversavam ele mais um empresário baixinho simpático. Troquei umas palavras e segui (O lugar não vela a pena, está cheia dessa arte vanguardista incompreensível feita em borrões e aços retorcidos).

Adiante, cruzando a rua, a Biblioteca Nacional. Resolvi fazer o pequeno tour. A moça era nova, coitada, precisei explicar algumas coisas para a garota. No meu tour, pai e filho sulistas, uma hispânica, mais um povo do norte. Gosto dessas garotas nortistas, elas me causam excitação, têm traços caucasianos em pele entre o negro e o indígena. Qualquer dia desses ainda devoro uma. Dou uma canseira na danada. Enfim, o tour é ruim, não permitem tocar em nada na visita acompanhada, mas também, o lugar conserva mais de cinco milhões de exemplares de obras em espécie (só no prédio principal), com um número de 500 funcionários fixos. Tudo indicação, lógico. Aqui no Rio quem não conhece ninguém vive sem nada. A moça do tour era idiota, mas conhecia alguém.

Segui até o final da Rio Branco, dobrei a rua, passei pelo consulado americano, um prédio depois, Academia Brasileira de Letras. Parece um prédio do Santander, porém com uma estátua de Machado de Assis na entrada – O único monumento público bem conservado em todo o Estado do Rio de Janeiro sem qualquer sombra de dúvida. Entrei, encontrei o recepcionista, que mais parecia um ator pornô de tão exuberante, flertando com uma das moças da limpeza. Machos são soldados por natureza, quando não estamos lutando uns contra os outros, somos amigos. Dei um sorriso afirmativo ao garanhão e peguei o elevador. Subi. Entrei na sessão em homenagem a Machado de Assis; um cubículo sem graça. De mais atrativo sua cama e seu jogo de xadrez; tudo em tons marrons, bem machadiano.

Acabava o dia, lentamente. Segui até a Uruguaiana. Já começava a cansar, pois sou robusto, mas não sou um cavalo. Pedi um café, um empadão de frango e uma lata de Coca. Detesto Coca, mas com massa podre desce bem. Fiquei a pensar. De repente me veio Bezerra da Silva... “Se segura malandro, pra fazer a cabeça tem hora”... Fiquei pensando. Na verdade, não sou maloqueiro, mas mané também não sou. Fico assim, buscando a malandragem, sabe como é. Enfim, paguei e segui. Hora de retornar ao meu bucólico subúrbio.

stava assim sem cabeça pra “fazer a cabeça” ou encontrar alguém. Voltei de trem, sentado no canto, pacato, olhando as estações.

A viagem não foi de toda ruim, digo, para o pretenso malandro. Na Academia arrumei o telefone de uma nordestina, vinda recentemente do Recife. Gordinha do tipo gostosa, morena, do tipo que faz com vontade.

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