domingo, 12 de setembro de 2010

Jápeto


Ainda conservo na memória a emanação de poder absoluto e orgulho daquele velho, alquebrado, imenso em sua ruína. Meu avô. Descendente de um bastardo de boa família portuguesa exilado no Brasil por casar com uma negra africana, neto de escravocratas, simpático ao regime militar, aquele velho sabia intimidar.

Um homem de respeito para todos, principalmente pela porta a fora, mas na própria família o centro de todas as coisas, um Deus do Velho Testamento cheio de admirável poder e condenáveis atitudes. Um tirano. Utilitarista, cruel em muitos aspectos, benevolente, por vezes, mediante esforço.

Com o primeiro de seus netos, apenas canduras e afetos. Um garoto introspectivo, de grossas olheiras, bastante polido e educado (naquela época), embora desleixado. Sempre as unhas por limpar, sempre o talher errado. Todos corriam por mostrar, fazer ver, ensinar o modo certo, mas tudo repelia com tédio e dentre todos apenas um permanecia firme em seu interesse, constante, perene, livre das vulgaridades das rotinas, das pessoas simples e do formalismo: Ele. Ele parecia rir por dentro e por fora de tudo aquilo. Um agnóstico exaltado, cheio de deboche e hipocrisia, mais parecia um velho general, embora fosse detetive aposentado. O ponto mais baixo de uma família aristocrática caída, casado com uma carola egoísta, pai de um vagabundo, morando em um bairro medíocre, todos esses fatos pareciam estar abaixo de seu indestrutível desdém. Com ele, ninguém podia; vencia a todos na palavra, fosse no argumento, fosse no insulto. Parecia acreditar apenas em algo: Seu próprio apetite. Falava com sarcasmo até da própria morte, e, realmente tranquilo, morreu. Morreu em meio a uma cirurgia, sedado.

Daquele velho "nada fácil", como foi imortalizado, apenas um conservou o ímpeto, os sentimentos exaltados... E foi o garoto introspectivo, de grossas olheiras.

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